Armando Fernandes

 

 

Medo

A passagem de um ano para o outro para além das mundanidades, da farândola festiva e amenidades quantas vezes eivadas de hipocrisia, obriga os incomodados com eles próprios a fazerem o balanço do passado e perspectivar o futuro. Do ouvido, lido, respigado e conversado retiro a palavra medo. Não o medo aos medos da minha meninice que surgiam nas encruzilhadas, nos locais ermos, nas travessas esconsas onde os meninos não deviam ir, nem de noite, nem de dia, muito menos à hora do meio-dia.


Natal todo o ano

É uma frase feita, a do Natal durante o ano inteiro. Temo que não passe disso mesmo. No entanto, se agora existem excepções a confirmarem a regra, no antecedente, pelo menos até à década de setenta do século findo, nas aldeias, vilas e na cidade, quase posso afirmar com certeza que a excepção era ao contrário. A generalidade das casas mais abonadas auxiliavam as carentes, nas aldeias mais à solta ou à vista, em Bragança as benfeitoras (a maioria do auxílio era prestado pelas mulheres) praticavam o recato cumprindo na íntegra a máxima: que a mão esquerda não saiba o que a direita faz.


Língua Charra

Fosse eu dado ao comércio epistolar de elogios na ânsia de daí retirar lucro de vaidade à conta do alheio e trataria de escarafunchar na Língua Charra palavras, palavrinhas e palavrões a ribombarem a colheita de A.M. Pires Cabral que agora coloca ao alcance de todos, e desta forma titulada.


Agora e na hora da nossa morte

Aumentou a nossa esperança de vida, consequentemente aumentaram de forma desmesurada as necessidades de apoio debaixo de todos os aspectos aos nossos parentes mais velhos. O título desta crónica é o de um livro consequência de um projecto-piloto de cuidados paliativos domiciliários, no Planalto Mirandês, iniciado em 2009, apoiado pela Fundação Gulbenkian, Instituição que também o edita e colocou ao alcance de todos os públicos.


Pobres

A Diocese de Bragança vai criar um gabinete especial dedicado aos pobres no geral levando em linha de conta as crescentes manifestações de penúria que envolvem indigentes, desempregados, idosos e envergonhados.
Já na Idade Média a Igreja contemplava com géneros ou dinheiro os envergonhados que foram e deixaram de o ser, porque a roda da fortuna redundou em azar, porque as empresas faliram, ainda porque foram vítimas da cupidez e maldade dos outros quantas vezes de familiares chegados.


Machetadas

Propunha-me escrever sobre a abstenção e o extraordinário aumento dos votos nulos e brancos nas últimas autárquicas, e os sinais de doença que representam para o regime, mas a última machetada obriga-me a adiar o propósito. Pessoalmente nada tenho contra Machete, ele ser ministro dos Negócios Estrangeiros provoca-me irritação em virtude dos seus sucessivos dislates a, certamente, levarem representantes de outros países a desconfiarem da sanidade política de quem manda. Para já é o que temos.


O eclipse dos Politécnicos

O eclipse durou dezenas de anos. Apesar dos avisos dos demógrafos e cientistas sociais a euforia do ensino superior fez reproduzir como cogumelos as universidades privadas, e cada distrito reivindicou pelo menos um Instituto Politécnico (até Lisboa tem um), dois existem no distrito de Santarém. As vozes bem sustentadas em estudos e opiniões amadurecidas avisando dos perigos da proliferação foram mandadas calar, os cursos à escolha faziam (fazem) lembrar as lojas dos trezentos ou dos chineses.


O poder

O camarada Nikita, cognominado o martelo da Ucrânia, ainda o camarada Estaline não tinha sido colocado no sarcófago funerário e protagonizava acção onde perdeu a vida o tenebroso e famigerado Béria, tendo depois apresentado no XX Congresso do Partido o famoso relatório (quem o possuir ganha se o reler de quando em quanto) no qual disseca os crimes cometidos durante o reinado do Zé dos Bigodes, atribuindo-lhe a responsabilidade pelos mesmos.


Podridão

O Dr. Rui Machete depois da tomada de posse como titular da pasta dos Negócios Estrangeiros (ele é veterano no referente a ser ministro), e após ter sido questionado sobre a sua actuação na SLN (matriz do BPN) e no Banco Português Privado, entendeu as perguntas como sintoma de “podridão dos hábitos políticos” e, no mais balbuciou estar de consciência tranquila. A resposta deixa subentender que o Sr. Ministro está convencido de possuir uma magistralidade acima do comum dos mortais, revelando antipatia (pelo menos) para com os jornalistas, esses grandes maçadores a todo o tempo e instante.


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