A opinião de ...

Agora e na hora da nossa morte

Aumentou a nossa esperança de vida, consequentemente aumentaram de forma desmesurada as necessidades de apoio debaixo de todos os aspectos aos nossos parentes mais velhos. O título desta crónica é o de um livro consequência de um projecto-piloto de cuidados paliativos domiciliários, no Planalto Mirandês, iniciado em 2009, apoiado pela Fundação Gulbenkian, Instituição que também o edita e colocou ao alcance de todos os públicos. Anote-se que o Serviço de Saúde e Desenvolvimento Humano da Fundação desenvolve importante actividade, pena é ser tão discreto no dar a conhecer os resultados desse labor, isto porque a não ser em círculos muito restritos ninguém sabe da sua formidável obra, logo fecunda acção. A autora – Susana Moreira Marques – oferece-nos uma visão de conjunto centrada em casos de real/realidade onde as pulsões destrutivas, de ódio, de raivosos rancores vivem e convivem com estridentes actos de enorme generosidade, sacrifício e abnegação para além do passível de ser aceite nesta correnteza da vida. Intuímos o planalto áspero e austero a moldar as gentes, nas práticas e padrões de cultura ancestrais a barrarem o passo ao avanço científico, a argúcia dos profissionais de saúde envolvidos no superarem os degraus de dificuldades de modo a suavizarem a dor e o subsequente sofrimento de desenganados em vésperas de se despedirem do Mundo. Um mundo onde deixam filhos, netos e vivências marcadas por signos significantes de paixões, ciúmes, despeitos e certezas que nuns casos provocaram existências de continuada ira, noutros de felicidade repartida por toda a parentela. Também exemplos de grande coragem no enfrentar a doença quando o paciente está na flor da existência, caso de Paula, sobre o quotidiano ronceiro daquelas paragens, João e Maria, entre outros, ajudam-nos a entender quão ameaçadora é a megera representada nas moléstias, que não escolhe quanto chega a hora de ceifar, da qual ninguém escapa. Livro vivaz no obrigar-nos a meditar sobre a degenerescência do corpo e o atanazamento do espírito, acerca das nefastas sequelas e no modo como os males vão sendo minorados, por que há mulheres e homens de grande qualidade humana e técnica em época de exacerbado egoísmo. Livro imprescindível para todos quantos exercem funções em instituições de saúde e solidariedade social em geral, para os restantes atentos ao devir do tempo em particular, a fim de perceberem o evidente: é necessário aprendermos a ser velhos.

Edição
3446

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