A opinião de ...

E agora sem rede...

Agora que estamos a chegar ao quarto mês DC (depois da covid), a espuma e a agitação inicial que nos envolveu num desassossego permanente começam, finalmente, a assentar e a permitir vislumbrar o que aí vem em termos de tormentas sociais e a começar a perceber o que o coronavírus nos está a fazer enquanto sociedade.
Há quatro meses e meio vivíamos, ainda, uma fase de otimismo irritante, com a discussão a centrar-se no saldo positivo das contas do Estado e na descentralização do Conselho de Ministros, que se realizava, desta vez, em Bragança.
No Carnaval, Marcelo espalhou afetos pela região e pelos Caretos de Podence, formando uma corrente humana pelas ruas daquela aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros que, suspeito, tão cedo não se voltará a ver a não ser em festas ilegais.
O confinamento imposto a partir de 13 de março veio alterar sobremaneira a forma como nos relacionamos uns com os outros.
Uma das coisas positivas que a pandemia trouxe, se podemos dizer assim, foram as redes de solidariedade que foram criadas no início, deixando um vislumbre de uma sociedade capaz de cuidar dos seus, dos mais desfavorecidos, dos que mais precisam, contrariando a tendência egocentrista que se vinha desenhando.
As novas tecnologias foram criando um afastamento gradual entre as pessoas, mais visível nas gerações mais novas, que deixaram de se encontrar na rua do bairro para jogar à bola, à lata, andar de bicicleta ou, simplesmente, conversar. Esses momentos foram trocados pelo refúgio em casa, conversas pelo ecrã do telemóvel, jogos através da internet no PC e nas consolas.
Mas aquelas primeiras semanas pareciam mostrar um mundo novo, em que a maioria estava disposta a dar a mão a quem precisava.
O problema é que o vírus não foi passageiro. Chegou e instalou-se, de armas e bagagens, bem no meio da nossa sala, ocupando espaço.
Com ele, ficaram pelo caminho muitas das redes de apoio que já estavam constituídas AC (antes da covid) e eram o suporte de muitas famílias.
Com as dificuldades de mobilidade e contacto que entretanto se instalaram, muitos desses laços quebraram, deixando sem rede um conjunto de situações diferentes da necessidade imediata de alimentação, por exemplo, mas igualmente importantes.
O ato desesperado daquela mãe de Cabanelas, em Mirandela, que pôs fim à vida do próprio filho depois de ter deixado de ter o acompanhamento com que vivia há 17 anos é o alerta que nos faz olhar para o que aí vem. Nem todas as necessidades são de alimento do corpo.
E este será apenas o princípio de uma linha de peças de dominó que ameaçam ruir sob o peso umas das outras. Até final do ano muitas empresas vão deixar de conseguir suster a respiração e os empregos que mantinham. Os problemas sociais que daí advirão vão exigir de todos nós, enquanto sociedade, uma resposta ao nível do que vimos no início da pandemia. Para que o grito de desespero desta mãe de Cabanelas não fique por ouvir...

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