A opinião de ...

A falta de vergonha e os tempos de pandemia

É dos livros que a necessidade aguça o engenho. Um ditado que parece assentar que nem uma luva nos portugueses, por questões culturais, enraizadas no ADN deste povo à beira mar plantado desde há vários séculos.
Lembro-me de há uns anos ter feito uma reportagem com um construtor automóvel nipónico que escolhia, para uma grande competição de todo-o-terreno, mecânicos portugueses, conhecidos pela facilidade em arranjar soluções fora da caixa quando outros só encontravam problemas. Assim ao jeito de um McGyver à portuguesa, mas com recursos ainda mais limitados que a proverbial pastilha elástica e um canivete suíço.
A verdade é que o povo português desde sempre se foi "desenrascando" perante situações mais ou menos difíceis, precisamente pela sua capacidade de improviso.
Ora, em tempos de crise pandémica como os que vivemos, há muitas situações mais ou menos dramáticas a apelar precisamente ao espírito de improviso, de encontrar uma saída onde só parecem existir becos.
Mas nem assim vale tudo.
Esta terça-feira fui surpreendido por um telefone, durante a manhã, de um número com indicativo da capital (215 861 805).
Do outro lado, uma voz feminina apresentava-se como fazendo parte do "Departamento de Prevenção de Saúde".
"- De que organização?", perguntei eu.
Depois de uma resposta mal amanhada, e até porque estava numa apresentação de outra entidade, perguntei o que estavam a tentar vender-me.
"Vender? Só estou a dar-lhe uma informação, de uma sessão que vamos ter em Bragança amanhã [quarta-feira]", disse-me.
"Ai sim? Olhe, como sou jornalista [gritinho de suspresa do outro lado], diga-me, então, o local e a hora", pedi eu.
Resposta: "- Isso agora..."- E desligou o telefone.
Conclusão da história: tratava-se, seguramente, de mais uma tentativa de burla, daquelas em que as pessoas são aliciadas a comparecer em determinado local com a promessa de ganharem um qualquer brinde e, no final, saem de lá com uma compra de valores astronómicos, que podem ir desde colchões xpto ao mais avançado aparelho auditivo ou outras coisas que tais.
A PSP foi prontamente colocada ao corrente da situação.
Percebo que todos tenham de ganhar a vida mas é de uma imoralidade atroz alguém se aproveitar da fragilidade extrema, seja financeira seja, sobretudo, psicológica, provocada pela pandemia e todo o contexto daí decorrente ao longo do ano e meio que levamos de tormento.
Estas "visitas" à região vão acontecendo esporadicamente. E as práticas comerciais agressiavas e lesivas dos consumidores devem ser denunciadas e penalizadas. Porque nem em crise vale tudo.

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