A opinião de ...

AS MÃES DA EUROPA

Os “pais” fundadores da unidade europeia são conhecidos. Os nomes de Robert Schumann, Jean Monnet, Konrad Adenauer, Alcide De Gaspari, Altiero Spinelli e Paul-Henri Spaak estão gravados na pedra, consagrados em livros, documentários e filmes, deram nome a ruas, edifícios e salas, são estudados em centros de investigação, universidades e institutos. São lembrados e celebrados. E as “mães” fundadoras da Europa? Será que sem o idealismo, a força, e a determinação de Ursula Hirschmann, Louise Weiss e Anna Lindh, para referir apenas três, o projeto europeu teria sido o mesmo?
Quem viu o documentário Um mundo novo, transmitido pela RTP2 há não muito tempo, percebeu que Ursula Hirschmann foi muito mais que a mulher de Spinelli. Sem a sua coragem, nunca o Manifesto de Ventotene, «por para uma Europa livre e unida», teria chegado a bom porto. Sem Louise Weiss, teríamos porventura uma Europa sem “alma”, desprovida da sua dimensão cultural e mais distante dos cidadãos. E que dizer de Anna Lindh que foi assassinada em campanha pelo seu sonho europeu?
O Dicionário as mulheres e a unidade europeia, coordenado pelas professoras e investigadoras Isabel Baltazar, Alice Cunha e Isabel Lousada, apresentado no passado dia 29 de junho, na Assembleia da República, visa dar visibilidade às mulheres que foram determinantes na construção de uma Europa unida no ideal da paz e baseada na cooperação e na solidariedade.
Ao folhear este Dicionário – os dicionários não se leem de fio a pavio, consultam-se, começando pelas entradas que primeiro nos suscitam interesse ou curiosidade – senti que se fazia justiça e ocorreu-me a pergunta com que Baptista Bastos iniciava as suas Conversas Secretas: “Onde é que você estava no 25 de Abril?”. Onde é que estavam as mulheres na Revolução dos Cravos? Estavam lá a fazer a revolução, no seu posto, como sempre estiveram em todos os grandes momentos da História. Tal como estiveram na conceção e desenvolvimento do projeto europeu. Podem ter estado afastadas dos holofotes, podem ter sido ignoradas pelos escribas e pelos fotógrafos, mas elas estavam lá. E só não estiveram quando lhes sonegaram direitos fundamentais como o direito de elegerem e serem eleitas. Mas nunca desistiram de lutar. E têm de continuar. A invisibilidade das mulheres não pertence ao passado.
Nas campanhas eleitorais, as mulheres têm menor visibilidade que os homens e, ao contrário do que acontece com os candidatos, as candidatas são predominantemente citadas na comunicação social por razões que nada têm a ver com as suas ideias e programas políticos. São referidas por causa da aparência, da cor do cabelo, do vestuário, por serem familiares ou amigas de alguém conhecido. E não basta às mulheres vencerem eleições, têm de lutar contra os estereótipos e os preconceitos. Regra geral, o seu trabalho tem menos visibilidade que o dos seus colegas homens. Mesmo quando pertencem a governos paritários, o que ainda é raro, e dão provas de grande competência, o que é frequente, o seu mérito é menos reconhecido e a sua obra menos valorizada que os dos seus pares masculinos.
“Fazer a Europa é fazer a paz”, afirmou Jean Monnet. Se assim é, é justo reconhecer que as mulheres são as principais artífices do projeto europeu.

Lisboa, 28.06.2021

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