A opinião de ...

O MISTÉRIO DO CONTO DO TOURO AZUL

O meu livro de contos “Canto d’Encantos” começa á volta de um dos mais extraordinários contos, tão extraordinário quanto nunca fora ouvido mas muito falado nos recantos da minha aldeia onde nos juntávamos, quando crianças, para ouvir e contar contos, histórias, ditos e outras coisas que se diziam e escutavam, naquele tempo. Por maior e melhor que fosse a narração ali trazida, se entre os ouvintes estivesse o Eurico Abade, era certo e sabido que no final comentava sempre e sem qualquer exceção: “O mais bonito é o Conto do Touro Azul”. Quando todos ficávamos à espera que o Eurico partilhasse connosco tal prodigiosa narrativa, de forma passiva ou mesmo instando-o a dar início ao relato, éramos brindados com a mesma desculpa justificativa: “É muito grande! Eu não o sei... A minha tia Leontina é que o sabe contar bem...”
A esse propósito, recrio cenas e aventuras dessa época, umas reais outras adornadas de invenções e outros artifícios trazidos pelo tempo, imaginação e necessidade de tentar prender os leitores, mas, a verdade é que nada é acrescentado ao conto do Touro Azul porque, em boa verdade, por mais que tivesse feito e indagado, nada mais pude apurar. A tia Leontina morreu nova e a mais ninguém ouvi falar de tal conto nem mesmo a Filomena, irmã do Eurico e minha colega de escola, soube acrescentar, fosse o que fosse. Por isso mesmo ficou esse ensejo infantil plasmado no livro de contos onde, na primeira parte, revisito a Junqueira dos anos sessenta.

Estava agendado o lançamento da minha obra para a Feira do Livro de Lisboa quando o inesperado aparecimento da Covid 19 veio cancelar tal evento e, de acordo com o editor, decidimos fazer a apresentação do livro, na internet, através do Facebook, indicando quer a página da editora (Lema d’Origem) quer a do livraria virtual Wook, como locais de possível aquisição, confiando na acrescida utilidade de poder dispor da obra, em pleno confinamento, para amenizar a quarentena. Passados poucos dias recebi uma mensagem de texto do meu amigo António Cangueiro dizendo-me que precisava de falar comigo por causa do meu livro. Liguei-lhe e ele não esteve com rodeios, foi logo direto ao assunto: o conto do Touro Azul. Ao contrário de mim ele conhecia-o. Ouvira-o em criança à sua mãe, Maria Joaquina Garcia, mas não sabia de mais ninguém que igualmente dele tivesse integralmente conhecimento. Tanto assim que o publicara num livro editado pela Âncora Editora “Contas que a minha mãe me contava...” Mais, numa sessão de apresentação o saudoso e comum amigo Amadeu Ferreira dissera-lhe que o conto não é da nossa região. Ora como a mãe do António estivera a servir no Ribatejo, colocava-se a hipótese de ter sido a sr.ª Maria Joaquina a trazê-lo para o nordeste. Contudo havia aí algumas pontas soltas que não encontraram logo nó: que se soubesse, nem a tia Leontina fora alguma vez a Bemposta, nem a mãe do António visitara a Junqueira. “Mas esteve no Felgar, durante alguns anos” – informou o meu amigo. Tratei, obviamente de averiguar, junto da Filomena quais as possíveis ligações da sua tia a esta freguesia do nosso concelho de Moncorvo. “Nenhumas...” Ora bolas.. “Mas...” “Mas...?” agarrei-me de imediato à adversativa. A tia Leontina não, mas o tio Eugénio (cunhado da Leontina) tinha família no Felgar...
Mistério desfeito.
Partilhei a solução com o António Cangueiro, depois, obviamente, de ter adquirido o seu livro e, não há a mínima dúvida, o Eurico tinha toda a razão: Lindo, lindo é o conto do Touro Azul.
Tem lá tudo o que de mágico e fantástico um conto pode ter... Por isso é tão lindo. E por isso é tão grande. E, talvez por isso, apenas a tia Leontina e a sr.ª Maria Joaquina soubessem contá-lo todo e bem. Felizmente o António registou-o e publicou-o.

Edição
3791

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