A opinião de ...

O velho mendigo

Era de noite, na quadra de Natal. Cambaleante e doente, caminhava um velho mendigo, suportando fortes rajadas que um impetuoso vento fazia levantar. Havia uma semana que não se descansava com a ventania e com o frio que chegavam dos lados da serra. À noite, então, esta situação transformava-se em tragédia.
Vinha da aldeia vizinha este velho mendigo. A distância não o assustava; mas, com aquele vento e aquele frio, as forças começavam a fraquejar.
Embora a escuridão não lhe permitisse ver o caminho, não se desviou da rota que tinha gravada na memória. A lama fazia mais pesados os já bastante gastos sapatos que muito dificilmente lhe protegiam os pés doridos e cansados.
Ele vivia num país onde muita gente suportava uma grande pobreza. Por isso, abandonado por alguns, levou a que outros decidissem deslocar-se de terra em terra, esfarrapados e mesmo descalços, cobertos de chagas e de amargura, à procura de quem, por amor de Deus, lhes desse uma esmola com que enganassem a fome e algum agasalho que os protegesse no inverno.
Dormiam em palheiros, currais, estrebarias, telheiros ou em casas desabitadas; e, no verão, por vezes, debaixo de alguma árvore. Mendigar era, pois, o seu modo de vida; e àqueles que assim erravam de terra em terra, davam o nome de pobrezinhos.
Não raras vezes eram portadores de novidades que contavam a quem os atendia. Muitas delas de cariz mórbido ou de grandes tragédias, quase sempre eram transmitidas em verso declamado ou cantado. E de tal maneira foram interiorizadas que durante muito tempo eram motivo de conversas entre a pobre gente de cada terra por onde passavam.
Enquanto caminhava, chegavam a este velho mendigo as memórias dos dias mais atribulados pelos quais se viu obrigado a passar, bem como a infelicidade que atingiu a sua família, naquele tão violento desastre do qual sempre supôs que apenas ele conseguira salvar-se.
Tentando abandonar estes pensamentos, procurou apressar os passos que o conduziriam até à aldeia vizinha, onde não queria chegar atrasado, a fim de celebrar o Natal na companhia de familiares que certamente lhe iriam proporcionar um bom agasalho e uns bons momentos de felicidade. É certo que o convite para celebrar com eles aquele Natal fora feito quase sobre a hora, fazendo-lhe ver que o havia de esperar uma grande surpresa.
Já perto, divisou, naquela escuridão, as luzes da aldeia… Mas a primeira visita que fez foi ao Presépio. Desde há vários anos, era junto dele que suplicava ao Menino a força para continuar a suportar a dureza da vida. Entristecido por vê-Lo nascido num lugar tão pobre, implorava-Lhe as melhores bênçãos para si, para a sua família e para todo o mundo. Dirigia-se também à Virgem Mãe e ao seu esposo S. José, agradecendo-lhes aquele momento de paz e de santidade.
Logo depois, chegado à casa da família, veio a conhecer a grande surpresa que o esperava: um seu irmão que, como ele, se salvou naquele grande desastre, estava ali, à sua frente! Imediatamente se reconheceram; e os abraços de felicidade, tal como as recordações do passado foram motivo para lágrimas de alegria.
Posto a par do sucesso deste irmão que julgava perdido, e a quem, no estrangeiro, a vida continuava a sorrir, durante a ceia de Natal, foi dele o convite para o acompanhar nos negócios.
Tendo nascido para este velho mendigo uma nova vida, nunca mais se esqueceu daquela noite na qual, como em tantas outras, pedira ao Menino as melhores bênçãos para si, para a sua família e para todo o mundo!

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3967

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