A opinião de ...

A Outra Medalha

Ana Teresa Tavares é investigadora do CEDOC (Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Universidade Nova de Lisboa) e do ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada, igualmente de Lisboa). Conheci-a há perto de uma vintena de anos, era ela ainda estudante do Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biomedicina, orientado pelo professor António Coutinho e que era, na altura, conhecido como o Programa dos Superdoutores. Fez o seu primeiro pós-doutoramento no IGC (Instituto Gulbenkian de Ciência), onde convivemos durante alguns anos. Um dia, não sei bem a propósito de quê, provavelmente por causa das minhas aventuras literárias, falou-me do pai e da sua paixão pela história portuguesa e, sobretudo, da forma peculiar como entendia e explicava alguns dos aspetos menos conhecidos, bem como da explicação que tinha para alguns aforismos e expressões. Facilitou-me o acesso a alguns escritos que estiveram, suponho, na origem de um livro que foi editado recentemente.
Quando Ricardo Araújo Pereira recomendou, no Governo Sombra, o livro “Outra História, Outras Estórias”, nada me faria supor qualquer familiaridade com o nome do autor, Adérito Tavares. Foi a Ana Teresa que, com justificado orgulho, chamou a atenção dos amigos “Este é o livro do meu pai!”. O meu interesse pelo livro e pelo seu autor cresceu, imediatamente. Reconheci logo no título do primeiro capítulo “Palavras com História” o tema da conversa de há vários anos. A pesquisa sobre o escritor revelou-me uma pessoa singular, como aliás foi referido pelo famoso humorista. De entre os vários aspetos do homem que foi professor do ensino básico, mas também universitário, chamou-me a atenção o discurso que proferiu no Município do Sabugal por ocasião da imposição da Medalha de Mérito Cultural que o Município raiano lhe atribuiu. Grato pelo galardão revelou ser o segundo. O primeiro era um outro que lhe fora outorgado pela avó de um aluno, por carta e cheio de erros ortográficos, mas que ele guardava orgulhosamente, em lugar de destaque. E explicou a circunstância que lhe proporcionou tal louvor: Estando ele a fazer exames da 4.ª classe, em Setúbal, surgiu perante o júri um aluno assustado a quem ninguém conseguia arrancar uma única palavra. Adérito Tavares sentou-se ao lado do rapazinho e abrindo o livro de leitura que, por mero acaso, apresentava um texto sobre cucos. Perguntou-lhe se sabia imitar um cuco e como dissesse que não, em plena sala desatou a cantar como o pássaro despertando no aluno um enorme sorriso e abrindo a caixinha onde repousava um vasto conhecimento que lhe proporcionou uma fácil e distinta aprovação.
O reconhecimento chegou-lhe, dias mais tarde, pela mão trémula da avó do menino, grata pelo inesperado gesto do senhor professor. Essa era a primeira e mais significativa medalha. A que o seu município lhe conferia honrava-o, mas estava, no seu entendimento, em segundo lugar.

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