A opinião de ...

Vasco Graça Moura

 
A notícia da sua morte apanhou-me nos Estados Unidos imerso em dor porque a Senhora da gadanha entendeu arrebatar-me um ente querido. O poeta estava doente há muito tempo, obituários de todo o género já estavam prontos, muita coisa foi dita evocando as suas extraordinárias qualidades nas várias áreas onde deixa obras que os não distraídos continuarão a reler e delas retirarem saberes e aprazimento. Apesar de tudo entendi render-lhe preito tendo em conta o facto de durante três rápidos anos ter trabalhado estreitamente com ele quando foi Director do Serviço de Bibliotecas da Fundação Gulbenkian, onde eu exercia as funções de Inspector Coordenador. Estratega de primeira água, ágil e preciso na decisão após cuidadoso planeamento, vislumbrando para lá da linha do horizonte, em tempo de contracção, levou a efeito um audacioso e estimulante projecto de incentivo à leitura que rendeu vultuosos lucros culturais e, neste País de endívia, nos cenáculos da burocracia cultural medraram ciúmes dos invejosos mesmo no interior da Fundação. Dotado de fino e ferino sentido de humor, a cada ideia que lhe apresentasse a merecer continuidade colocava todo o seu saber e influência no sentido de se concretizar. Na altura de apurar os resultados, quase sempre positivos, repartia generosamente com os colaboradores, se por um qualquer motivo isso não acontecia assumia sozinho a responsabilidade ante terceiros, internamente fazia os ajustes de modo a o erro não se repetir. Apreciava a lealdade, essa a razão de defender o fechar a mão a quem a quem lha tinha mordido após lhe ter prestado ajuda, nesse ponto era inflexível aconselhando-me a seguir o seu critério porque abominava a ingratidão. Aos ingratos dispensava desprezo, para lá disso procurava facilitar a vida a todos quantos trabalhavam em seu torno, respeitando as crenças e convicções de cada um. Jovial, inventivo no entrelaçar fios de modo a conceber projectos sustentáveis, dono de preciosa agenda de contactos em todos os nichos políticos e artísticos, espantava os gregos e troianos quando colocava um espartano em situação de destaque obtendo o apoio de todos. A última vez que o vi à saída de um concerto na Gulbenkian, já debilitado, incentivou-me a continuar em desassossego, sem esquecer a fruição de referências electivas que nos alegraram convivialidades no intervalo ou fim das jornadas de trabalho. Perdemos um Português de alto quilate, cada vez mais raros para nosso prejuízo e tristeza.
 

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3474

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