A opinião de ...

A realidade e a perceção

No início desta semana, o Jornal de Notícias publicou um excelente trabalho sobre o estado da economia de Portugal.
Concluiu o JN que, em termos gerais, o país está melhor do que quando começou a pandemia. Essa é a realidade. Mas a perceção do cidadão comum é que essas melhorias gerais não chegaram ao seu bolso. Pelo contrário.
Se a dívida pública do país desceu de 125,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) para 114,7, o facto é que, em termos absolutos, o país deve mais, pois o valor subiu 3,3 mil milhões de euros.
E se em 2022 o salário médio subiu 3,6 por cento, os trabalhadores compram agora menos coisas do que compravam antes pois a inflação subiu bem mais do que isso.
Outro aspeto é que o Governo se viu confrontado com mais dinheiro do que aquele que esperava receber, fruto da inflação, arrecadando mais receitas por via da cobrança de impostos, como o IVA (se os mesmos produtos estão agora mais caros e se o IVA se mede em percentagem, quer dizer que pagamos mais também de imposto ao estado pelo mesmo produto).
E o Governo tem usado alguma dessa folga para distribuir algumas ajudas.
Mas a quantidade e as condições de acesso deixam a perceção de que, de facto, são ajudas que em nada ajudam.
Aumentos de dez euros ou poupanças de oito euros num cabaz alimentar significam uma folga muito curta no garrote, que dá poucos mais segundos de vida ao asfixiado.
Baixar, de facto, o peso da dívida pública (e a consequente poupança em juros) permitiria, também, baixar os impostos às famílias, que sofrem hoje com a maior carga fiscal da história e uma das mais altas da Europa.
Grande parte da motivação para muitos trabalhadores emigrarem advém também daí e não só da falta de oportunidades no seu país, do sentimento de que o seu trabalho vale mais lá fora e de que os seus impostos são melhor aplicados noutros países.
Por cá, com as notícias de corrupção e compadrios a tornarem-se cada vez mais frequentes nos telejornais, fica a perceção de que, não só os impostos são elevados como o seu uso não é o mais eficiente e se perde na chamada máquina do Estado, que vai distribuindo benesses pelos amigos e correlegionários, em avenças e ajustes diretos.
E a perceção de que algo vai mal pode funcionar como rastilho, mesmo quando a realidade dos números até está mais saudável. E convém que o Governo não ignore a força da perceção dos cidadãos.

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