A opinião de ...

O Homem - esse desconhecido

propósito da invasão da Ucrânia pela Rússia, muitas pessoas têm feito esta pergunta: porquê? O que é que levou Putin a decidir a invasão dum país vizinho, independente, soberano e senhor duma identidade própria?

1 - A justificação dada por Putin não «lembraria ao diabo», como se diz em linguagem popular. O que é isso de «desnazificar» e qual é o fundamento, à luz do direito internacional ou da ética universal, para Putin invocar essa justificação ao violar tão selvaticamente os direitos mais básicos de qualquer pessoa, violando, torturando, e, até, matando dezenas de milhares de seres humanos, para já não falar das casas e dos prédios reduzidos a cinzas? Desnazificar, aqui, não passa, pois, duma “desculpa esfarrapada” sem qualquer fundamentação objetiva.
Por outro lado, o que é que Putin ou a Rússia podem ganhar com esta invasão, mesmo que vençam a guerra? Francamente, não lhe vislumbro qualquer tipo de benefícios materiais ou políticos. Então porquê? – é a pergunta que subsiste.
À luz da Psicologia, estou convencido de que a verdadeira motivação de Putin nada tem a ver com o que ele diz, nem com ganhos materiais pessoais ou nacionais, mas apenas com a natureza do seu «ego» decorrente dum egocentrismo patológico que Sartre classificava de «imperialismo do eu». Para os portadores deste complexo, torna-se, não só importante como absolutamente necessário, afirmarem a sua superioridade sobre os outros, porque, como também dizia Sartre, ninguém se sente imperador sem súbditos.

2 – Ao analisar estes comportamentos de quantos defendem regimes totalitários, lembro-me sempre do caso do psiquiatra norte-americano James Fallon, professor de neurociências na Universidade da Califórnia (UCI). Em 2005, depois de cerca de 20 anos a estudar os assassinos em série, J. Fallon quis fazer uma tomografia ao cérebro dum conjunto de psicopatas, presos por serem assassinos em série. Para o efeito, fez a mesma tomografia a alguns dos seus familiares e a si próprio, que ele considerava normais. Ao examinar as tomografias constatou que um elemento do seu grupo familiar apresentava as mesmas características biológicas dos psicopatas. Verificando a sua identidade ficou estupefacto quando verificou que esses exames eram os do seu cérebro, ou seja, do cérebro duma pessoa normal, que se julgava afetuosa para com toda a gente e que praticava a caridade.
No entanto, ele próprio conta que, ao relatar estes factos aos seus pais, a sua mãe lhe confidenciou que «sempre percebeu um lado sombrio em mim e tomava cuidado especial para neutralizar essas tendências e incentivar outras, mais positivas”.
Através da mãe também ficou a saber que «vários antepassados dele, pelo lado paterno, tinham sido criminosos temidos. Entre eles, Lizzie Borden, acusada de matar o pai e a madrasta em 1892».

3 – É por isso que se quisermos entender a motivação das figuras que ficaram na história da humanidade, pelo bem ou pelo mal, não podemos cingir-nos aos critérios baseados nas ideologias e muito menos nas razões invocadas pelos próprios, sendo necessário estudar o ser humano como um ser complexo, com um quadro motivacional enigmático, feito a partir de impulsos motivacionais contraditórios, decorrentes tanto da dimensão biológica do ser humano, como da sua dimensão psicológica, como ainda da sua dimensão racional e ética, numa amálgama cheia de contradições.
Se as neurociências nos ajudam a compreender o papel da genética no nosso comportamento, a Sociologia também nos realça o papel da educação, como o caso de J. Fallon nos prova, na determinação do comportamento humano.
Podemos, pois concluir que todo o ser humano, nas suas relações com o Outro, é um ser muito complexo, a ponto de podermos dizer que continua cada vez mais atual a ideia defendida por Alexis Carrel que, em 1935, publicou um livro, best-seller em vários países, intitulado «O Homem – esse desconhecido».

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3880

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