A opinião de ...

O acre e o doce

Na penúltima edição do Mensageiro duas notícias proporcionaram-me dores distintas: uma acre, amargosa, biliosa de um fel de dor descarnada do corpo, a outra de uma doçura a conceder-me alegria originada pela perpetuação da memória do ente querido falecido no mês de Outubro do ano transacto. As duas notícias tresandam a morte, acicatam a realidade – não somos imortais –, bem no fundo o nosso egoísmo lembra o de Matusalém, por isso mesmo, está-nos vedado sabermos o dia da nossa despedida da Terra, não fossemos terra, cinzas, pó, nada mais.
O acre refugiou-se nas papilas gustativas ao ler o passamento de João Sampaio o caçador de acontecimentos, amigo do seu amigo, transmontano torgueiro e duriense escalavrado. Há um fartote de anos recebi um telefonema do João, sem o deixar falar apressei-me felicitá-lo por na qualidade de correspondente do novel jornal Público estar sacar furos jornalístico de tomo no terreno bem calcorreado pela imprensa regional (eu escrevia no O Ribatejo), por isso sabia quão fino e perfurante era o golpe no jornal de referência no qual o Rogério Rodrigues também escreveu. Coincidências!?
O João Sampaio passou ao lado do ditirambo de um não sátiro, sim atento ao êxito de um transmontano dado à escrita de intervenção. O animoso conterrâneo pretendia o meu apoio no intento de criar a casa de Trás-os-Montes em Tomar onde residia e, nas imediações residiam numerosos de trás dos Montes sediados nas redondezas de Vila Nova da Barquinha, Benfica do Ribatejo, Constância, Tancos, Torres Novas e Abrantes por que naquela zona estacionavam várias unidades militares de relevo, nomeadamente o Campo Militar de Santa Margarida, e os Regimentos de Abrantes, Pára-quedistas, Tomar e a Escola Prática de Engenharia. A organização estrutural da Arte da Guerra escoava os jovens vindos das berças à procura de futuro, mantença e ascensão, o propalado elevador social.
Anui ao convite, a Casa transmontana cresceu, multiplicou associados, os actos festivos redundavam em lágrimas e afagos de reencontros, de reavivamentos de relações de amizade e de vária acrimónia (narros acima e abaixo), enfim a ânima transmontana em plenitude.
De forma súbita (para mim) o João perdeu viço, regressou ao terrunho natal, foi desvalido candidato à Câmara de Carrazeda de Ansiães, torpe maleita levou-o a acabar dos dias em Bragança. Irei dar conta do seu finamento a alguns tomarenses, evoco-o singelamente, a Autarquia da Carrazeda deve escrevo Deve lembrá-lo conforme merece.
Ora, a família do saúdoso Rogério Rodrigues, Rogério, entendeu (e bem) prestar sentido preito de amor ao Pedro Castelhano trasladando as suas cinzas para o cemitério moncorvense. O gesto da sua Mulher, filhos e demais parentes fez-me pensar na Antígona, ousou arriscar a vida em defesa do irmão, aquando do passamento do Rogério a par dos que o referenciaram dolorosa e dignamente houve quem o fizesse de modo solerte, invejoso, velhaco, incapaz de esconder rançosos e hipócritas ciúmes literários.
A família, do meu compincha de conversas prolongadas que o Alexandre Manuel e o José Albergaria ouviam alegremente sem meterem a mão no pote da alacridade sulfurosa, escolheram acertadamente o retiro espiritual do amado Rogério lembrando à Câmara local que os filhos ilustres nunca devem ser desconsiderados. Em concreto refiro-me ao busto de Campos Monteiro. O modernaço tratamento por tu não se aplica a quem deu brilho às letras portuguesas!
PS. Ao Mensageiro o meu reconhecimento pelo acre e pelo doce das justas referências.

Edição
3795

Assinaturas MDB