A opinião de ...

4. O Golpe das Caldas de 16 de março de 1974!

A conspiração que desembocou no 25 de abril de 1974 evoluiu durante cerca de um ano, várias reuniões e conheceu três fases: de cariz corporativo, de julho a setembro de 1973; necessidade de dar uma solução política à guerra, de setembro de 1973 a fevereiro de 1974; decisão de derrubar o regime do Estado Novo, compreendendo a organização da revolta militar, a partir de fevereiro de 1974.
A 22 de fevereiro de 1974, a publicação do livro Portugal e o Futuro do general António de Spínola, antigo e conceituado comandante-militar da Guiné e vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), é uma pedrada no charco por preconizar uma solução negociada para África. Depois, a 15 de março, o chefe do EMGFA, general Costa Gomes, e o próprio Spínola, são demitidos por se recusarem a fazer parte da designada «brigada do reumático», enquanto preito de obediência castrense a Marcello Caetano, ocorrida no dia anterior. É esta situação que despoleta o golpe de 16 de março. No Regimento de Infantaria N.º 5 (RI 5), das Caldas da Rainha, um grupo de oficiais detêm o comandante, o 2.º comandante e três majores. Apesar da não existência de um plano consolidado que equacionasse os objetivos a conquistar em Lisboa e o que fazer no day after, organizam uma coluna motorizada e arrancam de madrugada com destino à capital, crendo na secundarização da sua ação pelo Centro de Instrução de Operações Especiais de Lamego, o RI 14 de Viseu e a Escola Prática de Infantaria de Mafra. O resultado é o que se conhece, os militares saíram e não foram acompanhados por mais nenhuma unidade, acabando manietados pelas forças do Regime. Quanto à eventual descoordenação entre unidades e/ou rutura de comprometimentos, o «episódio das Caldas» permanece, ainda hoje, com contornos contraditórios. Quanto ao Regime, comunicou o acontecimento da seguinte forma: «na madrugada de 15 para 16, o RI 5 iniciou uma tentativa de golpe marchando com uma coluna motorizada para Lisboa, sendo interceptada na portagem de Sacavém por forças do RAL (Regimento de Artilharia de Lisboa), do RC 7 (Regimento de Cavalaria N.º 7) e da GNR. Verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por forças da Região Militar de Tomar». Os militares envolvidos acabaram presos na Trafaria.
No «Conversas em Família» da RTP, a 28 de março, Caetano referia-se-lhe como «o triste episódio militar que a irreflexão e a ingenuidade de alguns oficiais lamentavelmente produziu há poucos dias nas Caldas». Mas o presidente do Conselho não terá compreendido que o problema dos capitães, a partir de certa altura, ultrapassara as meras reivindicações corporativas, pois defendiam o fim da guerra. Como não compreendeu que afastar os dois generais de maior prestígio no Exército e com simpatias no Movimento induziria a uma tomada de posição musculada. E, assim, depois desta tentativa extemporânea e isolada, seguiu-se, pouco mais de um mês depois, a «Operação Fim-Regime» que, em menos de 24 horas, depôs um regime com 41 anos de existência. O fracasso do 16 de março contribuiu, ironicamente, para o sucesso do 25 de abril, por quatro razões fundamentais: 1) o MFA, conhecedor das forças leais ao Regime, redobrou os cuidados com o secretismo da conspiração, preocupou-se com a elaboração de um plano de operações detalhado, a definição de um comando centralizado, acelerou os preparativos e fez do fator surpresa a «chave» do sucesso; 2) permitiu, também, testar a motivação e a cooperação das unidades afetas ao MFA; 3) o governo convenceu-se que o MFA não tinha, afinal, uma capacidade de mobilização abrangente no Exército 3) depois de debelado o «golpe das Caldas», o governo aquietou-se, julgando impensável a possibilidade de nova ação ser efetuada no curto prazo.
A este respeito, Marcello Caetano referiu posteriormente a sua surpresa pelo facto de o MFA se ter recomposto tão depressa do insucesso das Caldas e ter atuado de forma célere e eficaz a 25 de abril, apanhando as suas forças desprevenidas e sem capacidade de efetiva reação.

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