A opinião de ...

Liberdade de expressão – revisitar alguns clássicos

screve-se no prefácio à obra do grande poeta John Milton (1608-1674) Areopagítica - Discurso sobre a liberdade de expressão, Almedina, janeiro de 2009 (feito por Jónatas Machado): «A sociedade é um espaço em que se digladiam diferentes visões do Mundo e em que tudo tem de ver com tudo». Antes de prosseguir estas minhas simples notas reflexivas, deixai-me, leitores, introduzir três pontos. Primeiro: a Editorial Verbo publicou em 1972 a obra Gigantes da Literatura Universal, que se incluem no acervo cultural doméstico (confesso que, sem estranheza, destes “Gigantes” não consta nenhum autor da América Latina, Ásia e África, nem dos EUA…). Segundo: sobre Milton, há, no volume a ele dedicado, referências interessantes que descrevem o contexto social, económico e social da época, permitindo compreender o nascimento da obra. Terceiro: a Areopagítica nasceu no Areópago com o célebre orador Isócrates que ali discursou contra a censura na Grécia no século IV a.C, da qual, também, Milton penou em pleno século XVII, numa época que ia ganhando força o Iluminismo.
Ora, acreditava este poeta, o homem tem o dever de investigar o vício e o erro para identificar a virtude e a verdade. Algo que só seria alcançado, conforme cria Milton, se fôssemos leitores atentos e críticos de toda a espécie de razões, mesmo de livros “maus” ou heréticos. Há aqui uma visão ainda impregnada de zelo religioso – o que, quanto a mim, não enfraquece o argumento, aumenta-o.
No século XIX, para John Stuart Mill (pai do liberalismo político e económico), mesmo uma opinião errada pode assumir importância, pois ajuda a tornar mais clara a verdade. Realmente, o processo dialógico de contraposição e debate de ideias devia ser, segundo Mill, “desinibido, robusto e completamente aberto”. Sabemos: é consensual que reside na democracia o dever cívico de respeitar a liberdade e a dignidade individuais. Para que a própria democracia se fortaleça, «importa que a comunicação e a deliberação inerentes ao processo político democrático encontrem o seu fundamento último na dignidade da pessoa humana», como escreve o prefaciador.
Volto a Milton: ao discursar, então, no Parlamento Inglês, dirigindo-se aos parlamentares defensores da existência de uma entidade licenciadora (uma espécie de inquisição com outras roupagens), afirmava que o maior louvor não é a bajulação ou o elogio virtuoso, mas a verdade, mesmo que fira, que doa.
De que “verdade”, melhor, de que “verdade política” falamos? É a defesa do sufrágio? É a oportunidade que surge, nos tempos atuais, através de alguns ‘Média’, tão solícitos, de anunciar o que julgam ser o melhor? Convenhamos: há casos em que o triunfo de algumas ideias são incapazes de construir a dignidade e a liberdade individual e coletiva, em particular daquelas que advêm de discursos utilizados, em certas conjunturas e contextos sociais e políticos instáveis, por grupos que procuram desvirtuar a essência da democracia. Mesmo para o liberal Stuart Mill, defensor do “mercado livre de ideias”, podiam, podem existir “patologias” do processo político, bastando utilizar uma linguagem simples, barata, apelativa, que não exija grande esforço intelectual. Vale a pena refletir.

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