A opinião de ...

Bragança e as Coisas com Categoria: as senhoras da história e nós…

Se folhearmos jornais ou navegarmos na net, as senhoras célebres relacionadas com Bragança, recentemente, são Graça Morais e Dulce Pontes.
Se alargarmos o âmbito, aparecem-nos as “mães de Bragança” e as retratadas na reportagem da Time…
…mas se estivermos a conversar num café ou numa esplanada sobre um passado não muito longínquo, rapidamente nos apercebemos de que, afinal, há outras: as excelentes professoras formadas pela antiga Escola Normal no século XX. Que me desculpem os homens, mas a maioria foram as dedicadíssimas Professoras do Magistério Primário que, com espírito de sacrifício e missão, em aldeias com condições deploráveis, formaram milhares de transmontanos, dotando-nos duma excepcional quarta classe, miúdos que ficámos a saber o alfabeto, os rios, as serras, os caminhos de ferro, os reis, a tabuada, as contas e a gramática – e aprendemos a ser gente!
Se perguntássemos a essas professoras sobre mulheres célebres relacionadas com Bragança, sem precisarem de recorrer à net, referir-nos-iam logo duas de categoria, arquétipos dos nossos mitos fundadores, do sermos portugueses: Inês de Castro e Santa Isabel. Duas imigrantes, ambas rainhas de Portugal, e rainhas cheias de aura, que na cidade, que ainda o não era, deixaram marca e, uma delas, terá dado à luz um dos filhos.
Isabel de Aragão, da corte de Barcelona, senhora predestinada, de nascimento cientificamente misterioso, com sinal divino. Aos onze anos veio para Portugal, parando na ermida da Senhora da Ribeira, e ficou hospedada, nessa sua primeira noite portuguesa, no Convento de São Francisco. Por coincidências da história, seria aqui paredes meias, em Alcañices, que se firmaria um dos mais importantes tratados de D. Dinis, seu marido. E um fio condutor invisível, a ligar tudo isto, voltaria a manifestar-se pelo nascimento, também aqui em Bragança, dum seu bisneto, D. João de Portugal e Castro, o terceiro filho de Pedro e Inês.
Inês de Castro tinha vindo da Galiza e já vivia na corte em Portugal há mais de duas décadas, quando, em Bragança, se regularizaria a sua situação canónica com D. Pedro I, tendo casado em São Vicente, casamento celebrado pelo Deão da Sé da Guarda. Ela teria aproximadamente 29, e, D. Pedro, 34 anos, já com filhos.
Para muitos, esta lenda faz sorrir, mas, para nós, não deveria ser lenda: D. Pedro declarou-o formalmente em Cantanhede e não haveria nem há nenhuma razão para duvidar das palavras do Rei, aflito na sua circunstância de tragédia. Ernesto Rodrigues, autor de A Casa de Bragança, sustenta bem a tese, literariamente recheada, e acrescenta-a em artigo posterior, publicado no número 3453 do Mensageiro de Bragança.
Inês de Castro e Santa Isabel, ligadas a Bragança pela força das circunstâncias. E não é sempre assim? Não é pela força das circunstâncias, com mais ou menos graus de liberdade nas nossas escolhas, que decidimos sobre o que acreditamos ser certo ou não? Não é pela força das circunstâncias que atravessamos as Praças da Sé da nossa vida?
Todos somos muito de Inês de Portugal, de arrebatamento apaixonado, de darmos o tudo por tudo por amor, de vivermos em transe. Não só os poetas, os artistas, os mais sensíveis: mas também todos nós. E deveríamos cuidar mais da sensibilidade pelos pobres, pobres materiais ou de amor, atenção pelas suas dificuldades, da loucura pelo amor do próximo, a que Isabel de Portugal esteve tão atenta e lhe valeu a santidade.
Quando nos envolvemos na arte e conseguimos perceber o drama nas notas e na voz de Dulce Pontes e a tensão percutora nas cores arcanas de Graça Morais – e somos capazes de descobrir o génio em cada uma das suas obras – estamos a, nem mais nem menos, captar os mesmos sentimentos de Inês de Castro e de Isabel de Portugal, experimentados na Bragança de então. Utilizando as ferramentas que nos deram as nossas professoras primárias com grande profundidade. Senhoras com grande categoria.

Edição
4013

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