A opinião de ...

Quatro pedras coloridas e uma máquina de escrever

No recente debate entre André Ventura e Vitorino Silva, o candidato de Rans iniciou a sua intervenção, retirando do bolso quatro pedras de diferentes tamanhos e cores, recolhidas pelo próprio numa praia de Peniche. O mar que é, tal como os outros elementos, democrático por natureza, trouxera-os de outras paragens depositando-os no mesmo lugar onde, há décadas, por causa da democracia, vários presos políticos tinham levado a cabo uma arrojada e corajosa fuga da prisão. A título de graça, um amigo meu terá dito que levou as pedras mas esqueceu a fisga. Não creio. A fisga esteve lá na, simplicidade aparente do gesto, na insinuação fina e cortante como lâmina de aço. Esteve tensa e pronta a disparar na aparente imobilidade das quatro pedras pousadas em cima da mesa, sublinhando os argumentos brandidos ilusoriamente simples e que armadilharam as respostas ineficazes do seu interlocutor. A fisga estava lá, tanto assim que as pedras acabaram por se movimentar, no final para as mãos do adversário. Foi um gesto final de quem não conseguiu “esmagar” o oponente, apenas para as câmaras. Mas de pouca valia porque noutras mãos, aquelas pedras não têm qualquer valor, não se diferençando de biliões de outras semelhantes. O seu valor está no significado. O que num é o testemunho de uma crença arreigada e genuína, noutro não passa de um gesto postiço, meramente decorativo e até anacrónico.

O Governo quer convencer-nos que desautorizou o Comité Internacional que classificou a procuradora Carla Almeida em primeiro lugar, impondo a nomeação de José Guerra porque tal resultou da avaliação do Conselho Superior do Ministério Público. Ora não é crível que aquela estrutura independente falseasse a sua análise para agradar à ministra. Seguramente! O problema não está no falseamento da análise mas na distorção dos critérios. José Guerra ficou, sem dúvida, à frente de Carla Almeida porque... os critérios “estabelecidos” para a classificação, fixados depois de conhecidos os candidatos, atribuíam um peso manifestamente exagerado à antiguidade em prejuízo da experiência que, no caso, se equipara à competência, devidamente valorizada pelo Comité Internacional. Antiguidade, porquê? Porque assim se chegava ao resultado pretendido! Não se vislumbra outra razão. Se a antiguidade fosse sempre sobrevalorizada ninguém usaria os computadores pessoais para nada. A máquina de escrever tem uma antiguidade muito maior que o processador de texto. Pior ficaria a folha de cálculo. O ábaco é muitíssimo mais velho!
Se a classificação do Conselho Superior do Ministério Público fosse suficiente e tranquilizadora não haveria necessidade da Nota Diplomática CONFIDENCIAL, a capear a polémica decisão governamental.

Nota Final: ao criticar o Governo não me torno, só por isso, membro de qualquer organização conspirativa com o objetivo de denegrir a Presidência do Conselho da União Europeia que desejo firme e ardentemente que seja exemplar e corra pelo melhor. Para bem de todos nós!

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