A opinião de ...

Da globalização da superficialidade

Na bela homilia que proferiu na Missa em honra de Nossa Senhora das Graças, padroeira do Concelho de Bragança, no dia 22 passado, às 18h30, Dom José Cordeiro, Bispo de Bragança-Miranda, utilizou uma expressão que me pareceu bem interessante para definir o estado intelectual e moral do chamado «Ocidente» que, até há poucas décadas, caracterizávamos como democrata, defensor dos direitos humanos, ostentador de uma ética republicana construída na base dos valores cristãos (católicos e protestantes), tolerante e pluralista, nas ideias políticas, nas filosofias, nas religiões, nos padrões culturais.
Tal expressão – a «globalização da superficialidade» - contém a crítica adequada aos imediatismo, «voyeurismo», libertinagem e futilidade do que circula nas redes sociais, das quais eu só posso falar do Facebook, a única rede que utilizo e de onde, pesem todas as críticas, não sairei porque o «Face», como gosto de lhe chamar, pode ser uma estrutura de vaidades, de egoísmos, de narcisismos e de futilidades – e é-o, provavelmente na grande maioria das interacções que ali se estabelecem -, é, como todas as armas, utilizável para o bem e para o mal. Tal dependerá da formação cívica dos utilizadores.
Isto é, tudo depende do homem, quero dizer do homem, da mulher, do seu neutro e dos seus outros géneros que, verdadeiramente, não sei o que possam ser porque nunca os vi sujeitos ao princípio de realidade, isto é, da verdade científica, seja ela natural ou social. Sei que, no Canadá, são admitidos 24.
Nunca se pode afirmar como verdadeira uma realidade que não se possa testar, repetir, ver em realização. E atrevemo-nos a dizer que há verdades sociais porque as vemos realizadas constantemente no comportamento da maior parte das pessoas.
Porém, hoje, também já afirmamos como verdadeiros e legítimos comportamentos não comuns a todos, desde que não ofendam os padrões culturais e morais geralmente aceites. O relativismo cultural do Século XX – assumido como padrão da pós-modernidade – mas tão velhinho como Albert Einstein e Werner Eisemberg, porque, afinal, nem a velocidade da luz nem o espaço-tempo são constantes (Einstein) nem os factos científico-naturais da ciência se repetem sempre nem ainda são vistos da mesma forma por todos os membros da comunidade científica (Eisenberg), estendeu-se às ciências sociais gerando a legitimação da pós-modernidade e da pós-verdade, sugerindo normalidades múltiplas em comportamentos vistos como infractores dos padrões morais tradicionais mas instituindo a inovação e a transgressão necessárias ao progresso sempre que promovam uma mudança controlada das normas e valores sociais.
Ora, o que sugere a expressão «globalização da superficialidade» é que, na multiplicidade das manifestações socais e culturais do nosso tempo, não do tempo humano mas do tempo tecnológico e internet-comunicativo, tais manifestações não são cuidadas como promotoras do progresso, com salvaguarda de uma mudança social regulada e controlada, antes instituem a desordem, necessariamente deseducativa e promotora de múltiplas promessas ilusórias em que se fundamentam todos os novos desmandos político-sociais.
Protágoras (490-415 a.C.) tinha alguma razão quando disse que «o Homem é a medida de todas as coisas, das que são e das que não são»», só que o velho Sócrates, o verdadeiro (470-399 a.C.), logo lhe respondeu que sim, mas só se o Homem for bem formado. E Kant, o verdadeiro inaugurador da democracia e da ética desta, veio complementar, no final do Século XVIII (1784): «o Homem só o é graças à educação». Mas acrescentou: uma educação do outro para mim e de mim para o outro, plena de reciprocidade e de universalidade porque o «eu» realiza a alteridade de todos os Homens-outros.

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