A opinião de ...

D. Afonso Henriques em Zamora!

Mediante iniciativa da Grã Ordem Afonsina, sediada em Guimarães, no pretérito 29 de abril foi inaugurada uma estátua do primeiro rei de Portugal nos jardins da Fundación Rei Afonso Henriques, na cidade de Zamora, congénere da Fundação Rei D. Afonso Henriques de Bragança. A estátua em granito, da autoria do escultor vimaranense Dinis Ribeiro, tem mais de quatro metros de altura e assenta num plinto com quase dois metros. Representa um jovem D. Afonso Henriques com 14 anos, ambas as mãos firmadas no punho de uma espada em forma de cruz, cabeça baixa e ar compenetrado, momentos antes de se fazer armar cavaleiro na catedral de Zamora. À parte os discutíveis atributos escultóricos, estéticos e de representatividade do Fundador de Portugal, regressemos ao tempo histórico.
Filho do conde borgonhês D. Henrique, responsável pela governação do condado Portucalense em nome do rei de Leão Afonso VI, e da condessa D. Teresa, filha deste, D. Afonso Henriques nasceu entre 1109 e 1111, segundo a tradição em Guimarães. Reza a lenda que D. Henrique, no leito de morte em Astorga, aconselhou o filho com estas pungentes palavras: «Filho toda esta terra que te eu leixo d’Estorga atta alem de Coimbra nom percas ende huum palmo qua eu a ganhey. E filho toma do meu coraçam algum tanto que sejas esforçado e sey conpanheyro a filhos d’algo. E da lhes todos seus direitos. E aos concelhos faze lhes honra. E a guissa como ajam direitos asi os grandes como os pequenos. E por rogo nem por cobiça nom leixes a fazer justiça ca se huum dia leixares de fazer justiça huum palmo em houtro dia se arredara de ti hua braça de teu coraçam. (…)». D. Afonso Henriques tinha cerca de três anos e é a mãe, D. Teresa, quem assume a governação condal, numa altura em que Lisboa estava em poder dos almorávidas e que estes, em 1111, tomaram Santarém.
Inicialmente, D. Teresa pautou-se pelo engrandecimento do condado e a procura de autonomia face à Galiza e ao próprio reino de Leão. Para o efeito, apoiou-se na classe senhorial de Entre Douro e Minho e no arcebispado de Braga. Contudo, a partir de 1121 orienta-se politicamente para a importante família galega dos Trava e o influente arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diogo Gelmires, ambicionando a unicidade dos estratos populacionais e a disputa do poder leonês a sua irmã Urraca, que tutelava o reino por morte do pai. Acontece que tais disposições chocaram com as famílias portucalenses, contrárias a subalternização à Galiza, numa altura em que o condado legado por D. Henrique estava territorial, política e socialmente fundamentado. Pretensões que esbarraram também em D. Paio Mendes, arcebispo de Braga, que procurava a individualização do arcebispado face ao de Compostela, no contexto peninsular. A partir do momento que Bermudo e Fernando Peres de Trava se fixam no território portucalense e partilham com D. Teresa a governação do condado, a situação acicata-se. A rutura acontece quando a classe senhorial portucalense assumiu o príncipe D. Afonso Henriques como aquele que fundamentaria um projeto de futuro autonomista, face à Galiza e a Leão. Para o efeito, urgia afastar D. Teresa, que se tornou pouco fiável, e os Trava, vistos como estrangeiros à terra. D. Paio Mendes uniu o clero e deu o assentimento. É neste contexto que D. Afonso Henriques se arma a si próprio cavaleiro, na catedral de Zamora, provavelmente em 1125: corria o dia 13 de maio, dia de Pentecostes, quando «tomou de cima do altar as armas militares, vestiu-se e cingiu-se a si próprio diante do altar, como é costume fazerem os reis. Vestiu-se com a armadura como o Gigante, pois era grande de corpo, e cingindo-se a si próprio com as armas para as batalhas».
Justificado num príncipe, amparado espiritualmente pela cruz, com o apoio militar da espada dos senhores da terra e o aforro dos vilãos dos concelhos, Portugal ia começar. O tira teimas acontece no campo de São Mamede, em Guimarães, onde a hoste portucalense vence as forças militares galegas de D. Teresa e dos Trava, no Dia de São João Baptista de 1128. Com São Mamede, Portugal entrou, realmente, no ano um. Posteriormente, na mesma cidade de Zamora, D. Afonso Henriques firmou um acordo diplomático com o rei de Leão Afonso VI, que lhe reconheceu a dignidade de rei e de reino independente a Portugal, a 5 de outubro de 1143.

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