A opinião de ...

Breve nota sobre a lógica descendente de Cristo

Esta pobre e humilde reflexão nasce de uma inquietação crescente que vou sentindo na vivência do meu ministério sacerdotal e na acção pastoral no território que Deus e a Santa Igreja me confiaram.
A verdade é que a cultura dominante de hoje gera em nós novas e constantes necessidades de cariz material. Parece que até o sentido existencial da pessoa está no que consegue ‘conquistar’, e conquistar tem sempre um sentido bélico e violento. Pois conquistar implica retirar algo de alguém, imprimindo no coração do ‘conquistador’ sentimentos de posse e de violência. Paralelamente, somos constantemente convidados por esta cultura dominante a ‘subir na vida’, num crescendo doentio e insatisfatório de coisas, de bens, de status e de honras. E é precisamente aqui que a lógica desconcertante de Cristo se apresenta como a alternativa revolucionária e autêntica no “modus operandi” da nossa existência. Vejamos o exemplo dos ciprestes, árvore que encontramos em muitos cemitérios. Esta árvore simboliza a eternidade porque nos aponta para o alto, para os céus, mas lembrando constantemente que só ‘subiremos’ quando realmente ‘descermos’ até ao coração, à alma, e lá – no mais fundo de nós mesmos – gerarmos o encontro fundante e transformador com o Criador. Ora se o cipreste tem tanto de altura como de profundidade, também nós precisaremos seguir esta mesma analogia, ou seja, se queremos ‘subir’ teremos necessariamente de gerar fundura – logo, descer – e criar fortes raízes para que possamos crescer de forma sólida e sustentável.
E este é o desafio: passar desta concepção que aniquila para a libertação na Revelação, ou seja, redescobrir a concepção amorosa da ternura de Deus, desta antropologia do homem que fala-a-Deus (e fala-com-Deus) e do homem que fala-de-Deus. Este caminho terá que levar, necessariamente, à ‘mistagogia do coração’ – tantas vezes referida por Karl Rahner – e que passará pela abertura e descoberta do ‘eu’ com um ‘outro’ Eu que lhe faz (a este eu) re-descobrir e re-conhecer o Tu primeiro e fundante, o Deus revelado, plena e totalmente, em Jesus Cristo, o Messias, o Filho de Deus encarnado, o Logos feito um connosco e para nós.
Assim, compreendemos a lógica de Cristo. Ao contrário da lógica ascendente e dominante do sucesso, Jesus ensina-nos a lógica descendente da humildade e do serviço. Recomendo vivamente a leitura do livro “Esvaziamento de Cristo. Movimento descendente e vida espiritual” de Henri Nouwen. Caso possa, não o deixe de ler.

Edição
3739

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