A opinião de ...

Desistir ou Resistir?

Por motivo de prevenir eventuais maleitas, ousei fazer algumas consultas essenciais, depois de um ano e meio de ‘ausência’. Verifiquei, num hospital público e num hospital privado, que os doentes ainda não assumiram completamente a sua maneira de encarar as deslocações às unidades de saúde. São hábitos que vêm de longe. Vão com muita antecedência e não atendem aos cuidados de distanciamento e de utilização de máscara, como hoje é exigido. E verifiquei, também, infelizmente, que as condições de atendimento não são as melhores. Em instalações e equipamentos. E disto se queixam os médicos, com razão. Legitimamente, afirma-se.
Do que se trata, verdadeiramente, é de desistir ou resistir – algo que diz respeito a todos. Em matéria de saúde, aos governantes, aos órgãos dirigentes das estruturas de saúde, aos profissionais e a todos nós, cidadãos. Nas minhas andanças por África aprendi muito. Menciono dois factos que me marcaram.
Guardo respeitosamente as fotos que colhi, com autorização, no serviço de Obstetrícia e Ginecologia (a “Maternidade do Dr. Alfredo Alves”!) do Hospital Nacional Simão Mendes, de Bissau. Apesar das muitas carências, amenizadas por doações, as senhoras parturientes estavam, frequentemente, juntas numa mesma cama. Nunca o Dr. Alfredo Alves desistiu; antes resistiu.
Recordo uma cena: numa pequena maternidade de uma comuna de Angola, a senhora enfermeira Elvira, nome inventado, já fizera até ao dia 20 do mês que então decorria, quinze partos. Não colhi fotos. Por pudor. A água jazia em bacias transportadas pelas mulheres da aldeia, a betadine e instrumentos parcos em cima de uma mesa de madeira. Pouco mais: uma cama sem lençóis, apenas dois cobertores que tapavam a senhora em trabalho de parto. Tudo à luz do dia, sem eletricidade. Nunca a senhora enfermeira desistiu; antes resistiu. Fora, as vizinhas, aguardavam pacientemente o desenrolar dos acontecimentos.
Ora, apesar de não estarem reunidas as condições de atendimento em algumas unidades de saúde do nosso País, é razoável ou não olhar de frente para o doente e ver as suas preocupações face a um ato que, sendo legítimo, é manifestamente contra quem procura as urgências? É razoável ou não ver alguns responsáveis desistirem da sua atividade, quando é necessário resistir? Se os professores, os assistentes administrativos, os técnicos das repartições públicas resolvessem trabalhar somente em condições satisfatórias, por certo que muitos serviços estariam encerrados ou somente abertos para atividades mínimas. Falamos de serviços públicos, mas o que afirmar de alguns serviços privados?
Estas demissões, ultimamente verificadas em alguns hospitais, onde se verificam pesados constrangimentos, não são compreensíveis à luz dos fatos ocorridos em momento de pandemia.
Dirão os leitores: Portugal é um país desenvolvido e os países acima referidos são países em vias de desenvolvimento, não sendo correto fazer comparações. Ou será? – Pergunto.
O Governo deve ponderar as situações e dar sinais evidentes de que pretende alterar, remediando o que está mal, ou inovando através de investimentos. O que não pode falhar, do meu ponto de vista, é a presença de recursos humanos, esses em quem a população tanto confia e nas suas mãos se coloca: os médicos.

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