Bragança e as Coisas com Categoria: a cozinha e a mesa superlativas…
Há praças mais imponentes, como a do Terreiro do Paço, mais monumentais, como a Maior de Salamanca, mais esplendorosas, como a Piazza Navona ou, até, com medidas transcendentes, como a de S.Pedro, no Vaticano. Mas poucas ou nenhuma terá a familiaridade, a presença na nossa vida, a dimensão cheia de memórias inesquecíveis como a pequena, preciosa e significativa Praça da Sé.
Demorando nela o nosso olhar e passeando-o pela Rosa D’Ouro, Calaínhos, Chave D’Ouro, antiga capela e Sé, pelo Cruzeiro, poderíamos divagar coisas interessantes sobre qualquer uma dessas primeiras peles que estão à vista com mais ou menos make-up. E, embora pareça sem ritmo nem harmonia entre si, o facto é que o conjunto construído resulta como amigos que se acompanham, cada um com o seu carácter e maneira de ser, sendo que nestes bandos que se sentam à conversa numa esplanada, há sempre um elemento mais exuberante e mais alto, como a Torre dos sinos e do relógio do Colégio dos Jesuítas; uma mais elegante, como a fachada da Rosa D’Ouro; outra mais de pergaminhos, como a casa dos Calaínhos; um mais seco e douto, filosofando, como o Cruzeiro; ou a mais americana e sexy, como a Chave D’Ouro, de boné estilizado. Ah!, mas há sempre uma pessoa mais discreta e culta, que quase passa despercebida, presença preciosa e cheia de personalidade, contida na sua excelência: a casa antiga do Solar Bragançano.
Há uns trinta e tal anos, o meu amigo João Pessoa Trigo contava-me em Macedo um episódio que lhe sucedera. Umas semanas antes, mais uma vez, tinha estado à porta do Solar Bragançano e, mais uma vez, batera com o nariz na dita, tendo vociferado: “Isto está sempre fechado!”, na sua voz sonora, observado por um homem que entrara, de blazer. Ora, na véspera dessa nossa conversa, tinha ido a Bragança e, ao passar para a rua do Flórida, sentira o seu braço a ser agarrado e uma voz: “Hoje está aberto e vai aqui almoçar!” Era o Desidério, o tal homem de blazer que entrara, que, afinal, o tinha ouvido bem, da outra vez…
Ao longo dos anos, temos ido ao Solar Bragançano convidando e sendo convidados: comemorar aniversários, fazer conversações políticas, ouvir intelectuais, mostrar e experimentar à nossa família de Lisboa e de Inglaterra, a amigos de todos os lados, o que neste recanto especial de Portugal existe de melhor. De melhor, no requinte, sem ser pretensioso; na cozinha apurada, sem ser fantasiosa de absurdos; na classe e nível com que se é recebido; na cultura que os numerosos livros denunciam, amontoados nas mesas do bar; na música, que ali se insinua como um apontamento subtil mas imprescindível, escolhido num tom erudito.
Estando-se lá, o difícil é de lá sairmos, porque, ficarmos mais um bocado naquelas cadeiras, naquele ambiente que é bom, de todas as épocas, vivendo, no fundo, uma das experiências à mesa mais bem conseguidas, é podermos sentir-nos embebidos numa atmosfera irrepetível e intemporal! Por que a categoria é intemporal.
Ainda por cima, quer as perdizes longamente refogadas na panela de ferro, quer as castanhas, sob a forma de sopa, de creme ou de pudim, nunca desiludiram e nunca foram monótonas, porque acompanhadas por pratos de época nos menus e por muitos sabores e cheiros como os da tradição de nossas casas. Até nos guardanapos de pano, no requinte das toalhas, das louças e dos talheres, jarra de água de cristal lavrado, castiçais e candelabros.
Na última vez que lá fomos, já no fim de jantarmos, a Ana Maria, a alma da casa, trocou com a Mariana e comigo umas palavras breves mas muito significativas.
A Praça da Sé atravessa-se de forma urgente como quem vai atrasado para a missa ou flanando a ver como param as modas. Não é uma praça imponente, nem monumental, nem esplendorosa, nem tem medidas transcendentes. Mas tem familiaridade e conforto. E categoria.
É impossível pensar Bragança sem recordar a Praça da Sé, a cozinha e mesa superlativas do Solar Bragançano, uma casa com categoria. Que nos enchem do que é bom.