A opinião de ...

Os Governos não caem na rua

É conhecida a dificuldade que o Movimento dos Capitães de Abril teve para derrubar a ditadura – mesmo bastante minada e fragilizada, já sem qualquer apoio significativo. E é também conhecido como, ao mesmo Movimento, foi difícil gerir tudo quanto se seguiu, após o derrube.
Banalizado o conceito de liberdade, em nome dele, sucederam-se tumultos, discussões, atentados, tentativas de protagonismo e de tomada do poder, desobediências em várias instituições, sobressaltos, crimes, destruição de bens culturais, greves, manifestações, saneamentos, expropriações forçadas, tomadas de terras, onde se formaram cooperativas agrícolas … e, por pouco, não vingou uma guerra civil, afastada graças a conversações, por vezes agressivas, por alguém que pacientemente as soube conduzir de forma a levar o povo a reconsiderar e, progressivamente, acalmar.
Mas, exceto as revoluções que, quase sempre implicam o uso da força e das armas, e, assim, conseguem vingar, tomemos, por exemplo, as grandes manifestações, com milhares de pessoas, durante o Governo em que interveio a Troika. Lembremos também a grande manifestação dos professores contra a implementação das medidas impostas pela Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, bem como as greves dos camionistas que quase paralisaram o País; as continuadas e violentas manifestações dos “coletes amarelos” em França; as manifestações lideradas pela Oposição, na Venezuela; a luta do povo de Hong-Kong; as grandes manifestações no Brasil contra a tomada de posições pelo Governo, durante a pandemia que levou à morte milhares e milhares de pessoas…
Em todas elas ficou bem patente a enorme insatisfação do povo contra medidas adotadas pelos respetivos Governos. Vejamos, então: a Revolução de abril de 1974, seguiu o seu caminho, com alguns percalços, é certo, e hoje a democracia, em Portugal, é uma realidade. O Governo que liderou as conversações com a Troika não caiu, assim como não caiu o Governo contra o qual os professores se insurgiram.
Também as greves dos camionistas, se bem que muito duras e de difícil resolução, não fizeram cair o Governo. As manifestações dos “coletes amarelos”, não isentas da força e de grandes distúrbios, não derrubaram o Governo; na Venezuela, também o Governo sobreviveu às manifestações; em Hong Kong, em que a força esteve muitas vezes presente, os manifestantes não atingiram os objetivos pelos quais tanto lutaram; e, no Brasil, apesar das grandiosas manifestações de descontentamento, o Governo também não caiu.
Com idênticas consequências, têm sido as significativas manifestações contra as medidas tomadas por governos relativas à pandemia, para não falarmos já das grandes manifestações, invocando motivos racistas… Na génese de todas elas, esteve a falta de diálogo, de compreensão e de cedências de parte a parte, quando os manifestantes exigiram tudo quanto criam que lhes era devido e os governos entenderam que, disso, não eram, propriamente, merecedores.
Grande parte do Globo tem vivido, então, numa constante instabilidade, deixando para trás o tomar as medidas necessárias à erradicação da pobreza; ao melhoramento do clima e do ar que se respira, à preservação das florestas, dos rios e dos mares; e, sobretudo, à igualitária distribuição por todos, de todos os bens que a Terra generosamente oferece, e assim acabar com o grande fosso que divide os milionários dos que algo ou nada têm.
Pelo contrário, vem aumentando o armamento, cada vez mais sofisticado e mais do que suficiente para arrasar a vida na Terra. Se assim acontecer, com que parte irão ficar os alegados vencedores, se, com a mais pura das certezas, não forem também pulverizados na hecatombe que provocarem?
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E muito me leva a duvidar se, desta vez, Deus irá encontrar um Noé para, com ele, preservar as sementes que farão reviver a Humanidade!

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