A opinião de ...

GLOBALISMO E PEQUENAS NAÇÕES

A cadeia de problemas que vai modificando a agenda do globalismo encontrou na questão da relação do Reino Unido com a União Europeia o desafio das chamadas Pequenas Nações. A designação precisa de esclarecimento porque algumas das unidades que a análise e o debate incluem na temática não possuem dimensões populacional, territorial, e económica, inferiores a alguns dos Estados independentes. Do que se trata é de o globalismo, simultaneamente, ver despontar regionalismos políticos, de perfil variado, de Estados soberanos, fenómeno de que o projeto da União Europeia é exemplo, e movimentos de separatismo de frações de Estados que aparentam ter perdido o caminho para a coincidência Estado‑Nação que a Sociedade das Nações imaginou para um novo mundo justo e pacífico. Não é possível prognosticar que novo mapa virá a ser mundialmente desenhado, mesmo considerando a progressão de Estados-Nação que se multiplicam na ONU, embora o conceito de Nação fosse usado com largueza de contornos. Basta recordar que em 1914 contávamos 53 Estados, que no fim da segunda guerra mundial o número passou para 72, e em 2013 identificaram-se 197, contando com os observadores Vaticano e Palestina. Tendo apenas em vista o ocidente sem bússola em que nos encontramos, e que foi interveniente inspirador da Carta da ONU e da Declaração de Direitos, textos destinados a reger o globalismo, destacam-se como problemas que a atenção dos governos não pode ignorar, agora tornados mais salientes pelo tema do Reino Unido, os casos da Catalunha, da Escócia, da Flandres, do Québeque, os quais desejam a soberania deste século, separando-se do Estado que integram, mas não recusando o globalismo que, com interdependências múltiplas, vai provocando regionalismos, e reformulando o que se entende, ou pode entender, em cada caso, pela soberania em vigor. As razões para cada um dos movimentos separatistas não são coincidentes em todos os processos, não se revoltam contra a globalização cujos consequencialismos nenhuma instância prospetiva consegue enumerar, e por isso não consta que o movimento da Escócia queira abandonar a libra, como o Reino Unido também não quis, e continuam tão europeístas como a Catalunha, esta fazendo salientar que transfere para o governo central habitualmente 8% do seu PIB. A grande questão já não parece ser, quanto à União, saber “porque falham as Nações”, é antes a de saber porque falham os Estados em encaminhar o seu povo para o modelo Nação-Estado. É uma evolução que na maior parte dos casos levou séculos, pelo que não é o sentimento nacional que sempre vai unindo povos que se libertaram da submissão colonial depois do fim da segunda guerra mundial, a libertação é o valor que os uniu, e por vezes quebra. Mas na Europa várias Nações viveram, com identidades reconhecidas, submetidas ao modelo imperial desmembrado no fim da primeira guerra mundial, e assumiram formalmente o estatuto de Estado independente, enquanto que povos agora libertados, sem definição nacional, parecem desconsiderar o conceito, e preferirem a governança extrativa, que não exige o projeto, e até agora não foi capaz de se impor à geral anarquia. Por acréscimo, é justamente a anarquia internacional que se agrava com o enfraquecimento do regionalismo europeu que se afastou do idealismo fundador, perdendo na miragem de enquadramento das soberanias em mudança, mas e com reforço da igual dignidade das nações. A questão a que regresso com este comentário, porque se agravou, não assenta necessariamente em incompatibilidades étnicas, que são das mais inquietantes, nem em diferenças culturais, até diferenciações religiosas que todavia em alguns casos são hoje perigosíssimas, antes, quando mais construtivas, porque recusam o mau governo, sem recusarem o ideal ocidental da coincidência Nação-Estado. Nestas circunstâncias, as lonjuras dos paradigmas cimeiros do globalismo não deixam de se aprofundar. Não apenas porque dificultam as soluções medianeiras do “regionalismo”, mas porque acrescentam a complexidade do “mundo único” e seus corolários. Nesta turbulenta evolução, os valores Estado-Nação, e regionalismos (União Europeia), orientam no sentido de reavaliar a indispensável manutenção do valor de uma consciência nacional, ainda que seja irresistível a alteração do valor soberania, esperando que tal não resulte da submissão mas sim da interdependência. Trata-se neste caso de admitir que em alguns exemplos o pensamento novecentista de Willson está ultrapassado, que o regionalismo implica tal exigência, mas não implica a quebra da solidariedade do Nacional com que a história enriqueceu a fusão das diferenças, a complementaridade das especificidades que naquele valor se articulam, porque tal via é indispensável para que o mito do mundo único, em paz, possa ganhar realidade e que a evolução da Europa se oriente para uma unidade indispensável, não apenas verbal, mas triunfo da arte de governar os povos como moradores de uma “casa comum”, em cooperação sustentada.

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