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Pela Santa Religião: Resistência à Ocupação Francesa em 1808 (I)

Entre 30 de novembro de 1807 e 30 de agosto de 1808, as tropas de Junot ocuparam Portugal, no contexto da 1.ª Invasão Francesa. Durante o período inicial, a família real zarpou para o Brasil, parte das elites colaboraram com o ocupante, o Exército foi anulado e as populações manietadas. Tudo corria bem para os franceses até começarem a usurpar as gentes, depravar os povoados e conspurcar as igrejas.
Num país com 6.000 padres que afagavam três milhões de almas, foram os prelados, reconhecidos como «santos pastorais», que alimentaram a resistência a partir dos primeiros levantamentos populares ad-hoc. Junot sabia da sua perigosidade, atendendo à não aceitação liberal do jacobinismo revolucionário saído da revolução 1789. Por isso, obcecado com ajuntamentos populares de motivação religiosa, suspendeu as práticas litúrgicas do Natal, as festas de Entrudo e, mais tarde, proibiu as fogueiras de S. João, S. Pedro e S. Marcos. Mas o fervor religioso mostrar-se-ia remédio santo sem antídoto francês.
A partir de junho de 1808, é toda uma sociedade que resiste ou que não colabora: localidades ergueram a voz e motivaram à luta; outras levantaram-se em armas e resistiram ativamente; outras ainda aquietaram-se, porque demasiado próximas do centro do poder francês; algumas sofreram as agruras da afronta e tornaram-se mártires da causa. Como exemplos, Bragança foi a primeira localidade a vincar firmeza na resistência, o Porto assumiu o ónus da coordenação nacional, Évora e Beja foram cidades mártires e símbolos alentejanos da resistência, Lisboa, apesar de oprimida, não deu sossego à «corte francesa», e Olhão e Faro desligaram a costa sul dos ocupantes. Mas a Igreja não se limitou a galvanizar o ânimo popular. No Norte e no centro do país constituíram-se batalhões eclesiásticos: o arcebispo de Braga, D. José Torres, colocou-se à frente do seu batalhão; na diocese de Aveiro, D. António Cordeiro mandou armar todos os eclesiásticos regulares e seculares; o mesmo fez o bispo da Guarda, D. José Arraiais; no Porto, o bispo D. António de S. José de Castro contou, desde a primeira hora, com a combatividade dos seus prelados, em especial, dos Dominicanos; em Coimbra, a par dos batalhões académicos, os eclesiásticos correram armados à frente do povo e das ordenanças, dirigidos pelo reitor do Seminário Episcopal, José da Costa e Silva.
Foi em Bragança que verdadeiramente tudo começou, que galvanizou toda a província e serviu de exemplo à Nação. A 11 de junho, Madureira Cirne, abade de Carrazedo, recebeu uma carta a dar conta que o Porto estava em estado insurrecional, correndo depois a informação pelos notáveis da cidade, entre os quais o cónego da Sé Catedral, Bento José de Figueiredo Sarmento, o governador do bispado, Paulo Miguel Rodrigues de Morais, o capitão Bernardo de Figueiredo Sarmento, do Regimento de Infantaria 24, e o sargento-mor de milícias, Manuel Ferreira de Sá Sarmento. Todos manifestam vontade de um levantamento em armas na cidade contra os franceses, disponibilizando-se, de imediato, a agrupar soldados, milicianos e populares para o efeito, que são encaminhados para a frontaria da Igreja de São Vicente. Aqui aliciam o general Manuel Sepúlveda, governador militar provincial, a assumir o comando das operações. Este, que se encontrava no interior da Igreja a assistir à Tercena de Santo António, assumiu o repto e lançou do cimo das escadas o grito de emulação guerreira, proclamando a restauração dos direitos reinantes da Casa de Bragança, chamou às armas todos os transmontanos, enalteceu o fervor patriótico do povo, ordenou a reorganização de todas as forças militares e solicitou um contributo financeiro e em géneros a todos os bragançanos. As igrejas repicaram os sinos, deram-se salvas de artilharia e a cidade foi iluminada durante três noites. No dia seguinte, 12 de Junho, «o governador do bispado entoou um solene Te Deum em acção de graças», a que assistiu a cidade em peso, clero, nobreza, militares e populares. Estava dado o mote!
Continua no próximo número

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