A opinião de ...

Atentado a El-Rei…

Meti-me a caminho com plano mais que delineado, ir ver com olhos de ver, o que durante quarenta anos não vislumbrei. Num sábado soalheiro, temperado pelo fresco da época, encontro-me dentro do barco que me levará de Cacilhas para o Cais do Sodré. Esta viagem, a preço de transporte publico, aventura ao alcance de todos, deslizar sobre o espelho do Tejo, ser mirone no acordar de Lisboa e ao som do borbulhar das águas cansadas que vêm das Espanhas para nos cumprimentar, sentir a brisa que nos afaga a face, só pode ser oferta dos deuses que moram por cima do azul do céu.
Na travessia deu para notar, pelo interesse denotado nos olhares sôfregos da novidade, pela tez e fácios, mas agora, no interposto do Cais do Sodré, lugar de idas e vindas, vê-se que estamos no Centro da Europa. Caminho na borda d’água, do lado esquerdo o que resta das docas-secas/caldeiras do Cais da Marinha do tempo dos Filipes e D. Maria I, depois de desatoladas, do lado direito magistral praia fluvial em socalcos de cantaria, onde o Tagus beija os pés nas pontas dos dedos, êxtase dos procuradores.
Sinto-me orgulhoso quando serpenteio por entre este mar de gente que nos procura, conhecem-me logo, sou português, mas isso só me envaidece, pois sei, quando viajo, que os papeis se invertem e passo a ser o mirone.
Eis que me encontro no centro da Praça do Comércio/Terreiro do Paço, encostado à estátua equestre de D. José I, primeira fundição de um só sopro em toda a Europa, olhando de frente para o Arco Triunfal da soberba de um monarca, do voraz apetite de poder do seu primeiro-ministro Marquês de Pombal. Na insinuação ao Monarca, após terramoto, no desenhar da Nova Baixa, sinalizou para todo o sempre, toda a família real.
Do Rossio, olhando a direito para o Terreiro do Paço ver-se-ia, por debaixo do Arco, toda a magnanimidade da estátua do Rei-a-Cavalo e a esta artéria foi dado o nome de Rua da Augusta Figura do Rei, hoje Rua Augusta ; logo à direita, à hoje Rua da Prata, foi dado o nome de Rua Bela da Rainha ; mais à direita, à hoje Rua dos Fanqueiros foi dado o nome de Rua Nova da Princesa e, à primeira paralela ao rio, à hoje Rua do Comércio, foi dado o nome de Rua de El-Rei. No seguimento da implantação da República tudo virou para os atuais nomes.
Num local bem aqui perto, a História poderia ter mudado. Mesmo na minha frente, imponente edificação ocupa todo um quarteirão da Baixa Pombalina, entrincheirado entre quatro ruas, Fanqueiros, S. Nicolau, Douradores e Vitória, reconstruído dos escombros de Monumento Religioso, pós-terramoto de 1755, com alterações nos tempos, vestígios de Capela/Igreja e Zimbório Octogonal a emergir do telhado com oito belíssimas janelas que iluminam a Igreja. Agora devoluto vai a caminho de Hotel de Luxo de grupo Israelita. Agradecida a Deus, a Rainha Luísa de Gusmão, manda construir aqui o Convento Corpus Christi pois que no dia da Procissão do Corpo de Deus, D. João IV de Portugal escapa a um Atentado a El-Rei…

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