A opinião de ...

O mundo das emoções

Quando escutamos os grandes fados de Amália ou de Carlos do Carmo; quando lemos uma obra de Torga ou de Mia Couto ou de Eugénio de Andrade; quando olhamos as pintura de Nadir Afonso ou de Graça Morais ou de Josete Fernandes; quando apreciamos uma calçada portuguesa desenhada por um canteiro ou um ajardinamento floral recortado algures por algum perito nesta arte; quando nos sentamos diante da obra de mestre Afonso Domingues que traçou o Mosteiro da Batalha; quando descemos os socalcos do Côa para apreciar as pinturas rupestres – ficamos extasiados, emocionados.
Desçamos às raízes e às nossas vivências mais próximas: quando o meu amigo e colega prof. Marcolino se deleita nas águas do Angueira nos fins de tarde deste julho quente; quando o meu amigo João do Larinho conduz o seu rabanho pelas encostas do Pido; quando saboreamos uma posta em Moncorvo ou Sendim – ficamos extasiados, emocionados.
Mas este êxtase, esta emoção, variam de indivíduo para indivíduo, atentas as perceções de cada pessoa. Eu, autor desta crónica, retenho imagens e perceções distintas do leitor. O leitor, enquanto lê estas reflexões, tem um sentido de si. O seu mundo, leitor atento, é privado, é livre; mas pode ser conhecido quando deixa transparecer as suas emoções. Ora, acerca do que nos rodeia, temos diversas reações emotivas.
Revisitando o grande neurocientista António Damásio nas suas obras O Erro de Descartes e o Sentimento de Si – o Corpo, a Emoção e a neurobiologia da Consciência, voltei ao mundo das emoções – tantas nos ocorrem em tempo de guerra. Não se aflijam, caros leitores, pois não estou a pedir que leiam, se ainda não leram, a obra deste cientista. O que estou a pedir-lhes é simples: uma brevíssima reflexão sobre a importância que a Consciência exerce nas nossas mundividências. Diz Damásio de forma muito transparente: «Há qualquer coisa de muito característico no modo como as emoções estão ligadas às ideias, aos valores, aos princípios e aos juízos complexos que os seres humanos podem ter, sendo que, nessa ligação, reside a nossa ideia bem legítima de que a emoção humana é especial», ao contrário das emoções que alguns animais podem revelar.
Lembro-me que um familiar, já idoso, na casa dos oitenta, que, após ter sido observado numa consulta médica, me referiu à saída (eu esperava cá fora, claro, como exige o sigilo): «O médico olhou muito para o computador e pouco para mim; senti-me triste, desamparado, isolado». Embora considerando algum exagero na observação do querido familiar, fiquei eu próprio desanimado, reconhecendo, no entanto, que as circunstâncias da relação médico-doente exigem algumas preocupações de natureza administrativa. Como explicar este sentimento de perda relacional ao velho familiar?
Estamos, pois, no domínio das emoções e dos sentimentos próprios da Consciência. Não me alongo, mas acrescento: é a consciência que nos permite ter medo, alegria, horror, ternura; igualmente, fome, sede, lágrimas, riso; também, solidariedade, empatia... A consciência ajuda-nos a desenvolver um interesse por nós próprios e pelos outros e a cultivar a arte de conviver.

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3893

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