A opinião de ...

A hiperlightização do Natal

Em vez do termo “Natal” se passe a usar o termo “festividades”, assim pretendia e se aprestava para propor, oficialmente, a Comissária Europeia para a Igualdade, em nome de um objetivo definido de “ilustrar a diversidade da cultura europeia e mostrar a natureza inclusiva da União Europeia”!
Esta inenarrável proposta, que acabou por não ir avante por fortes críticas de vários quadrantes que fizeram recuar a Comissária, como ela própria assumiu, compreendia ainda outras pérolas semânticas, em documento de 30 páginas, como “queridos colegas” em vez de “senhoras e senhores” e, pasme-se, “perguntar os pronomes antes de falar com alguém”, etc.
A meu ver isto enquadra-se numa espécie de hiperlightização da vida e linguagem públicas, levada a cabo por alguns quadrantes do espetro político e social, que mais não é do que uma deprimente concessão à hipervitimização que leva ao fim e ao cabo à não responsabilização de se assumir o que se é e ao não diálogo e respeito pelas diferenças do que os outros são.
Esta suposta “inclusão” teria resultados contrários precisamente aos pretendidos e, além do mais, evidencia um completo desconhecimento do que é na verdade a Religião.
Desde logo, como fenómeno universal no tempo e no espaço, ela é uma realidade estruturante da vida pessoal e social, e a compreensão da história da humanidade faz-se tendo em conta precisamente também a dimensão religiosa. Depois, a experiência do sagrado, como “re-ligere” - religar ou ainda “re-legere” – reler (a vida, o sentido dela...), constitui um dos principais aspetos da vivência das pessoas e dos povos na Europa, mesmo hoje. A Religião, ao contrário de que alguns pensam, bem assumida, une as pessoas e a sociedade!
Destarte demonstra igualmente um desrespeito pelo legado que em nome das religiões e nomeadamente a cristã, nos foi concedido na área da cultura, da educação, da ciência, do património, da assistência social e sanitária, da organização social, etc. Alguém consegue imaginar a Europa sem este legado?
Sem a beleza da Fé, tal como ela se expressa na música, nas admiráveis construções de Igrejas, em pinturas e imagens, nos objetos litúrgicos, nos fantásticos missais e outros livros, que são uma referência à transcendência, a nossa vida seria mais pobre!
Acresce ainda que os próprios princípios e valores veiculados e vividos de geração em geração, pelo Cristianismo, foram a raiz da Europa e da União Europeia.
Atente-se que mesmo o designado espírito humanista tem a sua génese e hermenêutica no sentido de catolicidade, como fala justamente, Edward Said, um autor palestiniano que foi professor na Universidade de Columbia.
Aliás, neste sentido, chamo à colação Aristides de Sousa Mendes, que ainda no pretérito dia 20 de outubro recebeu honras de panteão, em que, na decisão de salvar milhares de judeus e refugiados, parece ter proferido a seguinte frase: «tenho de salvar estas pessoas, quantas eu puder. Se desobedeço a ordens, prefiro estar com Deus e contra os homens, que com os homens e contra Deus».
Por fim, na essência da discussão, é discutível se há assunto mais inclusivo que a própria mensagem do Natal de Jesus e o que ela transporta de amor, solidariedade e partilha entre todas as pessoas de boa vontade.
Diga-se que mesmo em termos teológicos, além do Cristianismo que o celebra como nascimento do Salvador, o Filho de Deus, nascido como o mais humilde dos Homens, também o Islamismo e mesmo o Judaísmo, à sua maneira, não deixam de o celebrar e de atribuir importância maior a Jesus.
Bastava ter visto uma vez o filme maravilhoso “Que mal fiz eu a Deus” que alegoricamente representa a heterogeneidade europeia atual, para compreender que seria um erro profundo a referida proposta.
Conclui-se que hoje se verifica o que uma vez Chesterton afirmou, a saber, “que os Homens que deixam de acreditar em Deus, em seguida e amiúde, acreditam seja no que for”.

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