A opinião de ...

Tempos de fartura

Ainda a folha das árvores não começou a cair e já pululam nas tvs anúncios a uma parafernália de bugigangas, fazendo crer os espetadores mais incautos que a sua vida não será mais a mesma sem eles. É assim que percebemos que o tempo do Natal está a chegar.
Numa sociedade que produz muito mais do que aquilo que necessita para a sua subsistência, a cultura do desperdício está em voga, consumindo, vorazmente, os recursos de um planeta que, até ver, é único.
Reunidos no Qatar, os líderes mundiais chegaram a um acordo histórico na cimeira do clima, decidindo terminar com a utilização dos combustíveis fósseis até 2050. Faltam 27 anos. O tempo de uma curta geração para mudar hábitos enraizados. Temo que não seja fácil. Nem exequível.
O problema é que a exploração voraz de recursos naturais não se cinge aos combustíveis fósseis. Vai desde a agricultura intensiva à mineração desenfreada e à desmatação das florestas como se não houvesse amanhã.
Por isso, o Papa Francisco não se cansa de apelar ao cuidado com a Casa Comum, o planeta onde todos moramos.
“Para proceder no caminho da vida, é necessário despir-se do ‘a mais’, porque viver bem não quer dizer encher-se de coisas inúteis, mas libertar-se do supérfluo, para cavar em profundidade dentro de si, para compreender aquilo que é realmente importante diante de Deus”, disse Francisco na oração do Angelus deste domingo.
Para Francisco, apenas se dermos espaço a Jesus através do silêncio e da oração, saberemos libertar-nos da “poluição das palavras vãs e dos falatórios”.
Nesse sentido, o silêncio e a sobriedade – nas palavras, no uso das coisas, nos media e nas redes sociais – não são só “promessas” ou virtude, mas elementos essenciais da vida cristã, lê-se ainda.
Já a voz é o instrumento com o qual manifestamos o que pensamos e levamos no coração, e está intimamente relacionada ao silêncio, porque expressa aquilo que amadurece dentro, da escuta daquilo que o Espírito sugere.
“Se não se é capaz de calar, é difícil que se tenha algo de bom a dizer; enquanto mais atento é o silêncio, mais forte é a palavra”, disse o Papa.
Francisco deixou um desafio. Que olhemos para a nossa vida, agora que é tempo de Natal, em que celebramos a chegada do Menino nascido numa manjedoura, para refletir:
Que lugar ocupa o silêncio nos meus dias? É um silêncio vazio, talvez opressor, ou um espaço de escuta, de oração? A minha vida é sóbria ou repleta de coisas supérfluas?
Uma reflexão para nos ajudar a encarar os tempos de abundância com a perspetiva de percebermos o contraponto com a necessidade. O que temos é o que precisamos?

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