A opinião de ...

Aliança Luso-Inglesa - 650 Anos de História

Se por cá a mais antiga aliança político-diplomática do mundo quase passou pelos pingos da ignorância, em Londres foi celebrada com a devida solenidade por Carlos III e Marcelo Rebelo de Sousa, que incluiu celebração religiosa e pomposa parada militar.
O relacionamento entre os dois países inicia-se no reinado de D. Afonso Henriques, quando guerreiros ingleses auxiliaram na conquista de Lisboa aos mouros, em 1147. O primeiro convénio foi assinado em 1294, por D. Dinis e Eduardo I, para proteger o comércio marítimo entre os dois reinos. Mas será durante a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), que opôs a Inglaterra à França, que o estreitar de relações se formaliza. De facto, o Tratado de Westminster, assinado por D. Fernando e Eduardo III, a 16 de junho de 1373, acontece durante as desastrosas campanhas fernandinas contra Castela (1369-1382), aliada da França. Assumia «uma perpétua paz e amizade, reunião e aliança, e como fiéis e verdadeiros amigos o serão mutuamente do seu amigo e inimigos dos seus inimigos, mantendo-se e sustentando-se reciprocamente por terra e por mar». A 9 de maio de 1386, o Tratado seria renovado e ampliado pelo Windsor, assinado por D. João I e Ricardo II no rescaldo da vitória de Aljubarrota. Estipulava «uma amizade e confederação real e perpétua, e com os aliados deles, de maneira que um seria obrigado a prestar auxílio e socorro ao outro contra todos os que tentassem destruir o Estado do outro». No ano seguinte, a aliança seria reforçada com o casamento de D. João I com Filipa de Lencastre, neta do monarca britânico. Desde então, a Aliança Luso-Inglesa, entre convergências, subserviências e uns quantos desencontros, tornou-se referência nos fora diplomáticos.
Durante a Restauração (1640-1668), a Inglaterra reconheceu a realeza de D. João IV e a independência portuguesa face à Espanha filipina. Em 23 de junho de 1661, assinaram o Tratado de Paz e Amizade em Whitehall, mediante garantia de apoio político e militar na guerra contra a Espanha. Incluiu o casamento da princesa D. Catarina de Bragança com o rei Carlos II, tendo como contrapartidas a cedência de Bombaim, na Índia, Tânger, no Norte de África, e dois milhões de Cruzados. Países marítimos, a parceria torna-se estrutural para Portugal, tanto no campo político-militar como no económico-comercial. No primeiro caso, Portugal foi aliado da Inglaterra nas guerras da Sucessão de Espanha (1701-1715), dos Sete Anos (1756-1763) e Peninsular (1793-1811), contra a França e/ou a Espanha. No segundo, o Tratado de Methuen (1703) permitia a permuta entre o bom vinho português e a qualidade dos lanifícios ingleses.
Será no século XIX que se verificarão as maiores contradições entre Lisboa e Londres. Depois de auxiliar Portugal a expulsar as tropas napoleónicas, os ingleses permaneceram ostensivamente no território como «protetores» até 1820. O clamor antibritânico na sociedade conheceria um segundo ato com o Ultimato de 1890, quando a ideia lusitana de unir em África Angola a Moçambique esbarrou com o projeto inglês da via-férrea do Cairo ao Cabo. Impôs-se o interesse do mais forte, o Ultimato fragilizaria a Casa Real e daria ânimo acrescido à crescente republicanização da sociedade, não obstante Eduardo VII ter visitado Portugal a convite de D. Carlos.
República desde 1910, a relação com a Monarquia inglesa denotou convergência ao longo do século XX: na I Guerra Mundial (1914-1918), Portugal lutou na Flandres contra a Alemanha enquadrado nas forças militares britânicas; na II Guerra Mundial (1939-1945) guardou neutralidade, colaborante com os Aliados mediante patrocínio da Inglaterra, a quem concedeu facilidades operacionais no Açores. Situação que facilitará ser membro-fundador da NATO, em 1949. Já no que toca às questões imperiais, não pôde contar com o «velho aliado» na agressão e ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indina ou nas guerras travadas na África Lusófona entre 1961-1975.
650 anos decorridos, a histórica aliança permanece, lembrando que Portugal tem uma matriz marítima que, a despeito da pertença à União Europeia, não deve ser descurada.

Edição
3966

Assinaturas MDB