A opinião de ...

O muro caiado

Dizia-me, há tempos, um grande amigo que, quando lhe apresentavam uma pessoa ou se via obrigado a contactar alguém pela primeira vez, ficava sempre de pé atrás, até que, pela convivência, chegasse à conclusão de que essa pessoa ou esse alguém lhe merecia ou não a sua confiança.
E parece que tinha razão.
*
Aquele era o muro mais belo que havia por ali. Olhando-o de longe, via-se mesmo que era um monumento que tinha sido erguido para regalo de quem conseguia aperceber-se da sua existência!
Construído em tempos imemoriais (nunca se soube por ordem de quem), não houve chuva ou sol, vento ou raios – grandes tempestades – que o derrubassem, nem sequer o abalassem! E durante as guerras, nenhum dos países beligerantes se atrevia a dirigir para este muro a sua metralha…
Muita gente concorreu e contribuiu monetariamente para a construção e preservação desse monumento, que, não sei porquê, causava admiração a tanta gente! Até vinham de fora para contemplá-lo – muito alto, branco, a brilhar ao sol, de tal modo que toda aquela brancura entrava pelos olhos dentro a branquear a alma dos que a tinham negra!
Além de não conseguir alcançar por que motivo causava tanta admiração, quero confessar também que não me foi dito, nem eu perguntei, para que fora construído. Para mim foi sempre um mistério!
Ele, de facto, era um assombro! E mais: parecia até que projetava raios de luz que, como que envolviam as pessoas – não para lhes fazerem mal, mas para as encantar e trazê-las para junto de si.
Muitas pessoas se encostaram ao muro. Muitas, mesmo. Umas chamavam outras; e outras chamavam ainda outras. Sem desiludir, a todas elas aquele muro construído em tempos imemoriais dava proteção e agasalho. Era uma felicidade!
Havia, por perto, uns muritos que queriam ser como aquele. Bem tentaram. Mas, nem mesmo pintados de cores berrantes, nada conseguiram.
No grande muro, havia excedente de magia!
Contudo, nunca cheguei a perceber uma coisa. Qual seria a razão pela qual ninguém daquela gente, que admirava e se encostava ao muro, nunca procurou saber o que se passava nas costas daquele portento? É de causar admiração; e mais do que admiração, uma pontinha de desconfiança. Desconfiança como aquela do meu amigo que só depois de conviver algum tempo com alguém que lhe tivesse sido apresentado, tiraria as suas ilações e continuaria a conviver com essa pessoa ou não.
Sucedeu, então, que a pressão sofrida pelo muro foi tanta, que ele não aguentou a situação, e com um enorme estrondo, acabou por desmoronar-se e ficar reduzido a cinzas!
Depois da minuciosa e persistente investigação que se seguiu, a conclusão foi clara: as costas do muro revelaram um estado adiantado de podridão!
Para concluir, não consigo opor-me a esta minha afirmação que, há dias, me trouxeram as minhas reflexões: nunca te encostes ao muro que parece sólido, pois que, do lado oposto, pode revelar graves sinais de fragilidade!

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3834

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