A opinião de ...

Doutrina Social da Igreja: a nova utopia? (1)

No dia 22 p.p., a Diocese de Bragança, através da Comissão Justiça e Paz, promoveu uma videoconferência pelo Padre Doutor José Manuel Pereira de Almeida (JMPA), Vice-Reitor da Universidade Católica Portuguesa, sobre «Doutrina Social da Igreja» (DSI), que o conferencista prefere chamar «Pensamento Social Cristão». Procuramos aqui traçar as linhas de uma síntese de tal pensamento, na perspetiva de JMPA, com base nos elementos que ele forneceu. No próximo número/artigo, tentaremos uma análise crítica.
O pensamento social cristão atual, iniciado em 1891, com a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, e afirmado sobretudo desde o Concílio Vaticano II, incorporando também a tradição dos grandes mestres das igrejas cristãs não-evangélicas, fundamenta-se na ideia de dignidade de todos os seres humanos, vivendo numa Casa Comum, que não é só física e ambiental mas também económica, social, cultural e religiosa. Tal significa que nenhuma criatura pode ser discriminada, maltratada, desprezada ou abandonada. «Somos todos responsáveis por todos» sublinha Francisco (2015) na Encíclica Laudato Si (JMPA), incorporando os pressupostos das éticas de Immanuel Kant e de Emmanuel Lévinas que exigem reciprocidade e responsabilidade de todos e cada um para com os outros.
A ideia de Casa Comum radica no princípio de que, aos olhos de Deus, todos os seres humanos são iguais, não podendo haver privilegiados e deserdados nem os bens pertencer mais a uns do que a outros, antes exigindo a sua posse universal e disponibilidade para todos.
Ou seja, por este princípio, a propriedade privada é um empréstimo ao seu possuidor, devendo este tratá-la como um tesouro que lhe foi confiado e colocá-la também ao serviço dos outros. Este princípio justifica que, em caso de calamidade ou estado de necessidade, o Estado possa utilizar a propriedade privada para resolução de problemas comuns.
Por outro lado, compatibiliza-se esta ideia com a parábola dos talentos, exaltando os que rentabilizam melhor os bens para ajudar mais e melhor os menos favorecidos de saúde, de vida, de bens materiais, de inteligência e de mérito.
Casa Comum e Destino Universal dos bens da Terra são os dois primeiros pilares da DSI, que devem ser conciliados com os três restantes, a saber: a solidariedade, a subsidiariedade e a participação.
A solidariedade não terá nascido em ambiente cristão e o conceito terá sido usado pela primeira vez por Léon Bourgeois (1896) 1 mas o Concílio Vaticano II já o incorporou. Na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis (João Paulo II, 1987), é definida como «(…) determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um (…)» (Ponto 38, § 6º).
A solidariedade exige um método: a subsidiariedade. Com ela, os responsáveis superiores intervêm junto dos inferiores quando estes não são capazes de resolver os problemas, corrigindo as lacunas e distorções. Implica uma estrutura de responsabilidades e de decisões.
Finalmente, pela participação, o pensamento cristão pressupõe que todos participem e intervenham na vida económica, social e cultural na medida das suas possibilidades e segundo o paradigma de «ver, julgar e agir», estabelecido por Paulo VI (1971) na Encíclica Octogesima Adveniens, nº 4. O cristianismo católico é aqui definido como filosofia de vida e ação prática.

(Endnotes)
1 Nobel da Paz em 1920, socialista republicano, Presidente do Conselho da Liga das Nações. Primeiro-Ministro da França, entre 1 de Novembro de 1895 a 29 de Abril de 1896, criador também dos conceitos de solidarismo e de corporativismo modernos (https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A9on_Bourgeois).

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3801

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