// ENTREVISTA - Fernando Morato, treinador adjunto no Sporting

“Percebi desde cedo que o Rui Borges era um treinador diferente”

Publicado por Guilherme Moutinho em Sex, 07/11/2025 - 16:11

Natural de Bragança, Fernando Morato, de 29 anos, tem trilhado um percurso assinalável no futebol português. Iniciou a sua carreira no GD Bragança mas foi no SC Mirandela que consolidou a sua posição como treinador-adjunto, começando, em 2017/2018, uma parceria de sucesso com Rui Borges. Juntos, ascenderam do Campeonato de Portugal à Primeira Liga, passando por clubes como Académico de Viseu, Académica, Nacional, Vilafranquense, Mafra, Moreirense e Vitória SC. Atualmente, integram a equipa técnica do Sporting CP, onde conquistaram a “dobradinha” na época 2024/2025. Nesta entrevista, Fernando Morato partilha a sua trajetória, a experiência de trabalhar com jogadores de topo como Viktor Gyökeres e a importância das suas raízes brigantinas.

MdB – Poderia descrever o seu percurso desde os primeiros passos no GD Bragança até à chegada ao Sporting CP?

FM – Tenho a sensação de que a ascensão até à Primeira Liga não demorou assim tanto tempo, mas, uma vez lá, tudo acontece muito depressa. Depois de uma época extraordinária em Moreira de Cónegos, onde batemos o recorde de pontos e classificação do Moreirense, iniciámos a época seguinte no Vitória SC e terminámos como campeões no Sporting. Antes da Primeira Liga, foram seis anos de construção, em que conhecemos vários contextos, equipas, jogadores e administrações – e esse caminho ajudou-nos a chegar até aqui. As pessoas que fomos conhecendo e com quem aprendemos, sobretudo os jogadores, moldaram a nossa forma de estar, os nossos princípios, ideias de jogo e até hábitos diários.

MdB – No início da sua carreira, após meia época no GD Bragança, integrou a equipa técnica do SC Mirandela, um clube rival regional. Como foi lidar com essa transição e que impacto teve no seu percurso?

FM – Saí do GD Bragança com o mister Zé Gomes, em abril de 2016, a meio da época, por decisão do clube. Apesar do enorme carinho que tenho pelo clube da minha terra e da vontade de ajudar, não fazia sentido continuar. São ciclos e momentos. Passados alguns meses, recebi uma chamada do Rui Borges a questionar a minha disponibilidade para o Mirandela, por influência do Francisco ‘Kika’ Miranda, que jogava lá nesse ano. Nunca senti qualquer questão de rivalidade – o lado profissional prevaleceu. Um exemplo disso é o dérbi distrital no Campeonato de Portugal, que ditou a descida do Bragança. Foi um momento agridoce: feliz pela vitória da minha equipa, mas triste pela descida de um clube onde gosto de estar e que continuo a seguir.

MdB – Teve um papel marcante no SC Mirandela, onde iniciou a colaboração com Rui Borges. Como foi essa experiência e que impacto teve na sua carreira?

FM – Percebi desde cedo que o Rui Borges era um treinador diferente. Começámos a trabalhar juntos na sua estreia como técnico principal, num ano atípico em Mirandela, marcado pelo protocolo com os Sub-23 do Aves. Essa época foi determinante para mim, pois definiu uma base de trabalho. Terminámos em 4.º lugar no Campeonato de Portugal, o que validou todo um processo que ainda hoje nos orienta nas diferentes equipas que treinamos.

MdB – Após o Mirandela, acompanhou Rui Borges em vários clubes até chegar ao Sporting CP. Como foi essa progressão?

FM – Foi um processo de aprendizagem constante. Cada clube trouxe desafios diferentes e foi fundamental para a nossa evolução como equipa técnica. Na altura, era raro um treinador saltar do Campeonato de Portugal para a Liga 2 – ainda não existia a Liga 3 – e no Académico de Viseu encontrámos um contexto difícil, onde evitámos a descida na penúltima jornada. As diferentes realidades que vivemos deram-nos bagagem para enfrentar obstáculos mais exigentes.

MdB – Como caracteriza a sua relação com os jogadores do plantel principal do Sporting CP?

FM – Acreditamos que a relação pessoal faz a diferença. Quando chegámos ao Sporting, o plantel estava habituado a uma figura marcante como o Rúben Amorim. Foi um desafio conquistar a confiança dos jogadores. Deixo uma palavra ao mister João Pereira, que tentou transmitir a sua ideia, mas apanhou um momento difícil. O nosso mérito foi mostrar que havia outro caminho para vencer, reforçando a confiança e promovendo a proximidade. Somos uma equipa técnica que valoriza a amizade e a comunicação no dia a dia.

MdB – De que forma contribui para o desenvolvimento individual e coletivo dos atletas?

FM – Todos os treinadores da equipa técnica têm missões atribuídas. Inicialmente, estava mais ligado à componente física, mas, desde os tempos do Mirandela, desempenho funções mais ligadas à operacionalização do treino e ao contexto ofensivo. Trabalho muito a perspetiva individual, converso com os jogadores e tento ajudar também fora das quatro linhas. Apesar de termos uma ideia de jogo definida, adaptamo-nos aos jogadores, procurando formas diferentes de vencer.

MdB – Quais foram os principais fatores para a conquista do campeonato e da Taça de Portugal nesta época?

FM – O mérito é, em grande parte, dos jogadores. Foi uma época de muitas mudanças e lesões – não me lembro de nada semelhante. A nossa adaptação foi essencial: perceber o que podíamos oferecer e como contribuir. Houve jogos em que introduzimos mudanças estratégicas – como o empate em Aves – e interações fortes ao intervalo, como no jogo da Taça com o Gil Vicente. A derrota com o Benfica na Taça da Liga foi também um ponto de viragem. A forma como fomos recebidos foi fundamental: jogadores, administração, gabinetes – todos contribuíram para o sucesso.

MdB – Como foi a dinâmica da equipa técnica durante esta temporada de sucesso? Que desafios enfrentaram e como os superaram?

FM – Herdar a situação que encontrámos não era fácil. Sentimos um grupo sedento por vitórias. A nossa vitória sobre o Benfica na primeira jornada foi crucial para gerar confiança. Valorizámos o contexto em vez da ideia, porque o plantel tinha características específicas. Temos um modelo de liderança baseado na partilha, mas percebemos que este grupo gostava de uma liderança mais fechada. Fomos adaptando o nosso estilo com equilíbrio e naturalidade. A nossa organização interna está consolidada, com funções bem definidas.

MdB – Viktor Gyökeres tem sido peça-chave no sucesso recente do Sporting. Como é lidar com um jogador deste calibre?

FM – Desde os tempos do Mirandela que tinha curiosidade em trabalhar com jogadores deste nível. Ser treinador é saber lidar com diferentes personalidades. O Gyökeres é um caso raro – entrega, força, velocidade e capacidade para decidir jogos, tanto ofensiva como defensivamente.

MdB – Sendo natural de Bragança, como vê a evolução do futebol na região?

FM – Compreendo as limitações da interioridade, e sei que nem tudo passa pelo futebol. Acompanho o que se passa, sobretudo na formação – tenho amigos envolvidos no GD Bragança, Escola Crescer, Mãe d’Água. É notório que ainda há um caminho a percorrer, especialmente na competitividade a nível nacional. Os clubes devem preocupar-se mais com o desenvolvimento dos jovens, incluindo apoio psicológico. Todos devemos contribuir para elevar a região, mesmo que ganhar não seja o mais importante. Quanto ao futebol sénior, o Bragança surpreendeu positivamente este ano, provando que o sucesso não depende apenas de dinheiro. Foi um dos melhores trabalhos realizados na região nos últimos anos. O Mirandela, um clube que me é muito querido, regressou aos nacionais e espero que traga nova energia à Série A.

MdB – Qual é a sensação de representar a região transmontana?

FM – Tenho um enorme orgulho. Ser transmontano molda a nossa forma de estar, procuramos o diálogo. Há muitos com talento para chegar ao topo, mesmo com as dificuldades do interior. Não acredito que ser do interior seja uma limitação. O importante é procurar oportunidades e trabalhar para atingir os objetivos. Representar Bragança e a nossa região é um motivo de grande satisfação para mim.

Fotos: Guilherme Moutinho

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