A opinião de ...

Doutrina Social da Igreja (3) A utopia que se vai realizando

Com este artigo terminamos a sequência de quatro que dedicámos à Doutrina Social da Igreja Católica (DSI). Com base na comunicação do Padre Doutor José Manuel Pereira de Almeida, elencámos os princípios da Doutrina (dignidade de todos os seres humanos, bem comum, universalização dos bens de produção e consumo, solidariedade, subsidiariedade e participação). Analisamos, no último e neste, dois dos aspectos que se nos afiguram mais polémicos na Doutrina – a propriedade universal dos bens e a participação enquanto acesso e uso igual dos bens comuns.
A participação nos produtos ou resultados teve, ao longo da história das civilizações, uma realização diferente da preconizada pela DSI. Enquanto que esta preconiza uma igualdade de acesso e utilização dos bens independentemente das características, dotes e estatuto dos beneficiários, a História relata-nos, quase sempre, com excepção das utopias de Thomas Campannella, Thomas Morus, Charles Fourier e Karl Marx, um acesso e uma utilização dos bens diferenciados - quando não negado a muitos -, em função das características, dons, realizações, estatuto social e estatuto sócio-administrativo dos sujeitos.
Nem mesmo as últimas proposições teóricas acerca de um rendimento básico universal (RBU) se aproximam da Doutrina pois limitam-se a dar uma quantia julgada necessária para uma vida minimamente digna, mantendo a estruturação sócio-económica restante vigente na sociedade embora reduzindo as remunerações e rendimentos médios e altos (quer pela via da redução quer pela via do aumento dos impostos) para pagar a todos o tal mínimo necessário.
Quando se discute o princípio da igualdade de participação nos produtos ou resultados, convoca-se argumentos diferenciadores, de natureza variada, desde a religiosa, à do mérito individual, à da contribuição para a constituição do produto e à dos efeitos benéficos e maléficos que um acesso fácil e não conquistado provoca nos sujeitos e na sociedade em geral.
Há em todos estes elementos de crítica bons aspectos a considerar. A própria doutrina do Antigo Testamento nega aos homens o pão sem a contrapartida do suor do rosto. E nunca Cristo nos seus diálogos com os sacerdotes judeus e com os apóstolos, pôs em causa a diferenciação por mérito mas sim a marginalização dos excluídos de qualquer espécie e uma distribuição injusta por excessos desmedidos para uns e limitação exagerada de benefícios para outros. Antes enfatizou que a sociedade, para exigir aos indivíduos, tem de lhes dar condições para eles contribuírem. E, por sua vez, os indivíduos têm de procurar contribuir segundo os princípios da reciprocidade e da solidariedade.
Ao constituir-se como utopia ou situação ideal a atingir, a DSI não se reflecte na Cidade dos Homens mas na Cidade de Deus, na distinção de Agostinho de Hipona. É adequada a uma sociedade de santos e a homens que acreditam que, praticando-a, despojados dos bens terrenos, terão um lugar merecido no Céu.
A DSI foi e é a única utopia que conseguiu ir mudando a sociedade, mesmo que pouco, pela sua aspiração à fraternidade universal e a uma sociedade justa e inclusiva. (FIM).

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3805

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