Ricardo Mota

Figurões…

Habituei-me, penso que todos nos habituamos, ao desfile televisivo de muitas caras que Abril nos deu a conhecer. Há cerca de quarenta anos foram-nos apresentados, pelos partidos com ânsias de poder, como jovens promissores. Ganharam, com o andar dos tempos, foros de importância, poses de Estado, ares circunspectos, fachadas de sapiência, faces luzidias, vestimentas a preceito, auréolas de capacidades.


Sublime…

Nasci em terras de milho e vinho verde em tempos de novos respirares, imediatamente após os finais da tenebrosa segunda guerra mundial. Transporto na pele, fazem parte de mim, as aragens de quietude que o interior do país oferece. Lá, em Felgueiras do meu tempo, a vida era airada para os miúdos de calções pois, tal como para os pardais, a liberdade era total. Quando a desilusão se apodera de mim busco elixir ao recordar as calmas que esses tempos proporcionaram.


Sufoco…

A Esperança andou no ar, a união percorreu as ruas, o desassossego saiu das trevas e dos labirintos interiores de todos nós e emigrou, pensávamos que para todo o sempre, e sentimos o quebrar das grilhetas que nos amarravam ao isolamento internacional. O indeciso Caetano, prisioneiro de passado do qual se não conseguiu libertar, foi obrigado a delegar o poder nas mãos do futuro.


O Cabo do Machado…

Dizem os entendidos, temos dos bons, que nossa primeira Mátria foi o ventre de nossa mãe. Lá, protegidos, fomos sofrendo acrescentos, upgrades como agora se diz, até atingirmos a perfeição, isto é, até ficarmos preparados para o mundo. Um dia, ao percebermos que o alimento acabou, anunciamos ao mundo o querer nascer, enchemos os pulmões de ar e, sofrendo, gritamos bem alto a vontade de viver sentido apenas a Liberdade que a lufada transportou.


Que Massada…..

 
Já lá vai. Foi há muito, os fumos e nevoeiros engoliram-no, são olhados de soslaio os que dele falam, o esquecimento fez lei. Mesmo assim e com sofrimento resisto á dragagem das memórias. Sei que muitos dos encavalitados nos centros do poder a ele devem a ascensão, nada seriam sem o grito da Liberdade, das lágrimas e vida de muitos lutadores, abridores de rumos. Dói fundo, apetece desistir. Que Massada.


Parte de nós…

Noite calma, de fresca aragem, agradável. Por convite irrecusável lá fomos ao encontro do mundo para sítio onde a vida fervilha, pujante de juventude. Desembocar no Camões vindo das entranhas da terra é obra, arte ilusionista. O carro ficou a dormir lá no piso zero seis onde o betão aguenta muito escombro do terramoto de mil setecentos e cinquenta e cinco. O elevador despeja quatro sexagenários, adiantados, ali mesmo ao lado do cronista que, do alto do pedestal, nos observa.


Nó Górdio….

Conta a lenda que era uma vez um Rei, Rei de Frigia na Ásia Menor, morreu sem descendente.
Consultadas as Divindades, o Oráculo foi categórico: - o sucessor chegará à cidade numa carroça puxada a bois. E assim foi, o condutor da primeira carroça foi entronado como Rei de Frigia. Este monarca de nome Górdio, atou a carroça com um soberbo nó a uma coluna do Templo de Zeus.


Companheiros da Alegria…..

 
 
Fazem coro há muito. A intimidade de cada é segredo dos outros dois. Entre si, os favores, recíprocos, são provas de amizade, de juras de amor fraterno, de iguais.
Os caminhares, lado a lado, fizeram crescer um sonho. A vida adulta nas encruzilhadas da democracia, recolocaram o desafio, porque não brincar ao jogo dos Chefes, aos Governos? Assim o pensaram, arregaçaram as mangas, pediram a ajuda da Esquerda dos Fundos, a tal que não quer governar mas é danada para fazer jeitos, e lançaram-se à estrada.


O Canto da Sereia

Venho aqui todos os anos por altura da passagem do ano. Está um dia bonito, frio mas, mesmo assim, acolhedor.
Estou no terraço da terceira torre da Pasteleira, grupo Varanda da Barra, foz do Douro. A imensidão, o rasgar de olhos, o azul estonteante do entrosamento entre o mar e os céus, a silhueta de todo o meu Porto, tudo isto me prepara e robustece para o embate do que aí vem, bom ou mau.


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