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Educar para a paz: se a escola não o faz, o que está ela a fazer?

Vivemos tempos sombrios. Guerras prolongadas, discursos de ódio, exclusões silenciosas e desigualdades gritantes desenham o actual cenário global. A paz — essa palavra aparentemente frágil, mas poderosa — parece hoje mais uma miragem do que um objectivo partilhado. E, no entanto, há um lugar onde ela ainda pode ser semeada: a escola.
Mas estará a educação a cumprir esse papel? Ou será, como advertia Bourdieu, mais um instrumento de reprodução de desigualdades, de silenciamento cultural e de violência simbólica disfarçada de mérito?
Demasiadas vezes, a escola continua a ser um espaço de exclusão subtil: currículos descontextualizados, pedagogias normativas, saberes locais desvalorizados, culturas invisibilizadas. Como se educar fosse treinar para a obediência e não para a convivência. Como se o diferente fosse um problema, em vez de uma riqueza.
Contudo, há propostas que recusam essa lógica e apontam caminhos mais humanos. O Papa Francisco, com o seu Plano Educativo Global, convida-nos a repensar a educação como acto de esperança, como pacto de encontro, como espaço onde a fraternidade e a ecologia integral se entrelaçam. Do lado da UNESCO, o recente relatório Reimaginar os nossos futuros juntos propõe um novo contrato social para a educação, ancorado na paz, na justiça e na cidadania planetária.
Ambas as visões convergem numa ideia simples, mas revolucionária: não há paz sem educação — e não há verdadeira educação sem paz. Educar para a paz não é um ideal utópico; é uma urgência ética. Significa formar para o diálogo, para o cuidado, para a responsabilidade partilhada. Significa construir currículos mais justos, escolas mais inclusivas, práticas pedagógicas que escutem as margens e valorizem os saberes plurais.
Darlinda Moreira lembra que só uma educação aberta à diversidade poderá gerar uma cultura de paz duradoura. E Boaventura de Sousa Santos denuncia o epistemicídio em curso — a destruição sistemática de saberes que não cabem no molde dominante do Ocidente.
A paz constrói-se todos os dias: nas pequenas decisões educativas, nas palavras ditas e nas ausências que se escolhe preencher. A escola tem, por isso, uma missão indeclinável: tornar-se laboratório de humanidade, lugar onde se aprende a viver com o outro, e não contra ele.
A pergunta final impõe-se com crueza e esperança: se a educação não formar para a paz… para que serve ela afinal?

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