A opinião de ...

A rã, o escorpião e o sapo

Diz uma velha lenda africana que quando um raio pegou fogo à savana, todos os animais se apressaram a atravessar o rio pois a fúria e a velocidade das labaredas levavam, a eito, tudo quanto estivesse naquela margem. Quem sabia nadar tratou de atravessar as refrescantes águas fluviais, com a maior brevidade. Quem não sabia, foi, solidariamente, ajudado por quem tinha essa capacidade e disposição para tal. Sobrou o escorpião em quem ninguém confiava. Vendo-se entalado entre a anunciada morte pelo fogo e o inevitável afogamento se tentasse ultrapassar a corrente pelos seus próprios meios, suplicou à rã que o levasse às costas para se salvarem os dois.
- Deves estar louco! - respondeu-lhe de imediato. - Por que razão haveria de te levar comigo se és sobejamente conhecido por atacar e envenenar todos quantos contigo contactam?
- Assim é, na verdade, porém, desta vez será diferente pois caso te ferrasse, durante a travessia, morrerias e de seguida eu também, afogando-me.
Tal argumento convenceu a rã que se predispôs a levá-lo às cavalitas. Ora, ainda não tinham chegado a meio da viagem e já o batráquio sentia o ferrão a entrar-lhe nos costados.
- Então, que é lá isso? Não vês que ao matar-me, nos perdemos os dois?
- Tens razão, mas que queres? Picar aqueles com quem convivo faz parte da minha natureza. Não sou capaz de o evitar… mesmo que isso implique, igualmente, a minha perdição.

Na política, esta fábula é frequentemente recordada por quem dá a mão a tantos quantos são conhecidos por atraiçoarem, na primeira oportunidade, todos aqueles que os ajudaram e à custa de quem subiram na hierarquia partidária. Como aqui os afogamentos nem sempre se concretizam, é frequente que o mesmo escorpião vá ferrando rã atrás de rã cuidando de saltar para as costas do próximo carregador, quando o anterior estiver a dar o último suspiro.
Não deixa, contudo, de causar alguma estranheza que, sendo públicas e conhecidas as sucessivas picardias de tão abjeto passageiro, ainda haja quem se predisponha a carregá-lo nas revoltosas águas da política regional. Ora, quando é a mesma rã que depois da aguilhada venenosa que por pouco não a atirou completa é definitivamente para o outro lado da vida (política), na oportunidade seguinte oferece, de novo, o dorso ao mesmo conhecido e descarado lacrau, a estupefação é incomensurável! Não é fácil de entender!!
Será que a lábia do artrópode é tanta e de tal grau que, apesar de ser sobejamente conhecido o seu modus operandi e dos inúmeros casos públicos anteriores, conseguiu convencer o batráquio que a picada venenosa recebida, recentemente, lhe foi infligida por outrem, por um inventado aracnídeo, alguma tarântula ignota, estranha e distante que não ele, carregado aos ombros e sobejamente conhecido por ser useiro e vezeiro em enterrar o ferrão, em casos que tais? Haverá, porventura alguma rã tão ingénua que acredite em tal patranha?
… ou será que a prática política, levada a cabo pelos profissionais da caserna, se tenha deteriorado, depreciado e banalizado tanto e de tal forma que a conhecida e vulgar operação de engolir sapos, praticada com regularidade por quem navega nessas águas turvas, tenha atingido um nível tal de insensatez que a deglutição do referido anfíbio contenha como aperitivo, ou sobremesa, a ingestão de um dos mais conhecidos e traiçoeiros lacraus da zona?

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4040

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