Apagão e então?
Quando, de manhã, entro no carro para me deslocar para a Fundação Champalimaud, em Pedrouços, por hábito e comodidade, mais do que qualquer necessidade, ligo o meu telemóvel ao sistema de orientação do veículo e, de imediato, aparece no ecrã a sugestão, para validação, do melhor caminho para o meu local de trabalho. Digo que sim, sem refletir. Obviamente que, fazendo este trajeto há mais de três anos, diariamente, não necessito de ser informado sobre o percurso. Faço-o por hábito. É verdade que já me foi útil quando sou informado da existência de algum engarrafamento, devido a obras, demoras extraordinárias ou acidente. Mas, mesmo que tenha efetivamente beneficiado dessa informação, ganhando alguns minutos (mesmo que fosse meia-hora, ou mais), não deixo de sentir algum desconforto nesta dependência quotidiana. Porque ela evidencia e fortalece a subordinação crescente às tecnologias que já definem e marcam grande parte da nossa vida e das nossas ações. Quando, por qualquer razão, estando num lugar pouco conhecido, me vejo privado do apoio funcional do GPS, quase entro em pânico. “E agora, como é que saio daqui? Como é que volto para trás?” Parece que a vida sem as “Apps” é algo de distante e remoto. Quando não é verdade! Há pouco mais de vinte anos a única coisa que era preciso para viajar era um mapa de estradas atualizado (ou mesmo com alguns anos de edição). No país e no estrangeiro. A maioria das pessoas da minha geração “aventurou-se” em viagens por essa europa fora, com as cartas da Michelin e algumas plantas das grandes cidades. E não se perdeu. Provavelmente deu algumas voltas a mais, saiu antes ou depois do programado, nas autoestradas, mas reentrou depois de alguns quilómetros em estradas secundárias, deu mais do que uma volta a um qualquer quarteirão, sobretudo se tivesse várias ruas com sentido único, passou pelo mesmo local, mais do que uma vez, parou nas bombas para meter combustível e, igualmente, perguntar pelo melhor trajeto, queimou mais gasolina e pneus que o estritamente necessário… mas sobreviveu.
E hoje, já não conheço ninguém que saia de casa sem verificar se leva o telemóvel consigo. Por causa das viagens, triviais algumas, menos comuns outras, por causa dos encontros em lugares pouco (ou muito) conhecidos, para localizar um amigo, ou parente, ou para garantir que um menor não se perde e é devidamente acompanhado e, sobretudo, para suprir qualquer imprevisto (demora no trânsito, alteração de rota, atraso casual – como se antigamente, nada disto acontecesse) e, em boa verdade, é de grande utilidade o uso destas ferramentas contemporâneas.
Imprescindíveis.
Indispensáveis!
Até que houve um apagão. A energia elétrica da rede que tudo suporta e alimenta falhou e, a pouco e pouco, tudo quanto é elétrico ou eletrónico começo e degradar a sua operacionalidade até ficar completamente inoperacional.
E, igualmente, sobrevivemos.
A configuração em rede da distribuição da energia, sendo uma componente de garantia da sua robustez (a falha de um centro produtor é colmatada, solidariamente, por todos os outros) é, também, como se viu, um fator de risco. Se não for possível repor uma falha, em tempo útil, todo o sistema cai em catadupa, por arrasto. A base renovável, tão útil ao meio-ambiente, acrescenta volatilidade por causa de ter muito menos inércia. Por isso, os apagões serão raros, mas não há forma segura de, garantidamente, os evitar.
De vez em quando tento navegar na cidade seguindo apenas o meu sentido de orientação.