A opinião de ...

Edição crítica de Os Lusíadas

Dedico o meu 10 de Junho a Luís de Camões, Os Lusíadas, edição crítica da princeps, por Rita Marnoto (Genève, 2022). O volume II reproduz o Poema a partir de 17 exemplares de 1572. Encerra com aparato crítico e bibliografia. Na língua do tempo, a leitura pede alguma demora e, para esclarecimento de dúvidas vocabulares, mitológicas, etc., convém ter ao lado uma boa edição escolar.
Para se chegar a este texto, urgia resolver um problema que se arrasta há séculos, e vem contado nas 500 páginas do volume I: qual a primeira edição, se houve uma contrafacção datada do mesmo ano, de que se conhecem, hoje, menos exemplares? Prevalecia, maioritária, a ideia de uma edição única, e não duas, com emendas em provas de granel, considerando-se princeps a do pelicano voltado para a nossa direita. Sabíamos, há décadas, de quatro erros constantes nos 39 exemplares aqui historiados (com mais cinco referidos em última hora), dispersos por esse mundo. Era ignorar os novos caminhos da bibliografia e fixação textuais, em que é fundamental conhecer a história do livro e da tipografia.
Assim, não basta assinalar esses quatro erros, se a mancha da página se altera aqui e em vários lugares. Três pares de letras (a, s; i, s; s, p) da contrafacção – ou edição «E», porque o verso 7 da primeira oitava começa por «Entre», e dá o pelicano para a direita – têm uma ligadura, que as obriga a entrar juntas na fôrma, algo inexistente na composição de «Ee» (o verso 7 do pelicano para a nossa esquerda começa por «E entre»). Logo, são duas matrizes. O estudo da imprensa no século XVI, a origem e descrição das fontes e tipos (também, como estes e as xilogravuras se «cansam»), um diferente componedor já no alvará, as marcas de água e o tipo de papel posterior a 1572 são argumentos fortes para discriminar dois modos de produção, e não uma só edição. Só resolvidos estes casos se pode avançar para uma proposta crítica, de que saiam outras em português actualizado.
Desde os 14 anos, passei meia vida em tipografias, a começar na Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar – Patronato de Santo António, onde entregava os meus artigos escritos à mão e revia provas do Mensageiro de Bragança. Na edição de 18 de Outubro de 1974, saiu “A lavoura e suas muletas”, quando eu escrevera “maleitas”. O senhor José Manuel Carvalho, a quem dedicaria sonetilho, tresvariou na minha letra. Este é um bom exemplo do critério «lectio difficilior potior», que, no canto VIII, 32.3, substitui Cipião por Capitão, ou seja, vai-se do mais difícil para o mais fácil, como fez o compositor da contrafacção. Pior é quando vemos Mercúrio, filho, não da deusa Maia, mas «Filho de Maria» (II, 56.2), como se fosse possível…
Sem estas novas metodologias, e domínio dos caracteres móveis até à rama tintada com saudades de imprimir, ainda entrando pelos anos 80, em Bragança, não se fixa um texto fidedigno. Porque Rita Marnoto conhece, como ninguém no meio universitário português, esse universo de caixotins, punções, etc., é que esta sua edição é a base do futuro.

Edição
3939

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