A opinião de ...

Gastronomia tradicional transmontana Casulas com bulho

“Diz-me o que comes, dir-te-ei o que és. O carácter de uma raça pode ser deduzido simplesmente do seu método de assar a carne. Um lombo de vaca preparado em Portugal, em França, ou Inglaterra, faz compreender talvez melhor as diferenças intelectuais destes três povos do que o estudo das suas literaturas”.
Eça de Queiroz
Concordo plenamente com o “divino” Eça, depois de viver longos anos em Trás-os-Montes. Aqui, este povo ancestral, aprendeu a tirar o máximo proveito de alimentos simples, do que a terra dá, e a transformá-los em inigualáveis iguarias, que merecem a qualificação de um verdadeiro legado cultural. Se, por um lado, o isolamento do “Reino Maravilhoso” nos afasta dos grandes centros, por outro lado, permitiu salvar muito da sua cultura genuína. A gastronomia é cultura. Mas para se “perceber” Trás-os-Montes, tem de se penetrar na sua alma e no seu corpo…A casa transmontana disseminada e isolada pelas aldeias, ou sobranceira, mirando horizontes sem fim, a humildade do Nordeste Transmontano, feita de pedra solta e telha vã, na sua austeridade solene e serena, fala-nos das gerações passadas onde a lareira é um altar dos avós, onde se convive com os vizinhos. É o lar do nosso povo que em noites de longas invernias, com os pingurelhos pendentes dos telhados e o senceno a emoldurar as árvores, ouve a melodia dos “rachos” a arder no lume e a modorrenta sinfonia dos testos a saltitar sobre as velhas panelas de ferro…Se a cozinha é a “sala de visitas” do transmontano, a adega é o local privilegiado onde se levam os amigos…Uma malga de azeitonas, um pedaço de presunto ou um cibo de queijo, são o acompanhamento adequado para se provar uma boa pinga, na companhia de um amigo. Costumamos dizer que em Trás-os-Montes, que aqui, há nove meses de Inverno e três de Inferno. As casulas (que também são conhecidas na região por “cascas”, “vasas secas”, ou “vagens secas”) acompanhadas pelo Bulho (na região também conhecido por Butelo ou Palaio), são um prato tradicional comido, sobretudo, no chamado Domingo Gordo, no Carnaval. Este prato é bastante forte, daí que seja consumido, preferencialmente no Inverno.
As casulas são vagens secas de feijões que são partidas aos bocados, quando ainda estão verdes e depois secas ao sol em cima de mantas, para serem consumidas no Inverno.
O Bulho é um enchido tradicional do Nordeste Transmontano, que é feito à base de carne e ossos do espinhaço do porco, partidos em pequenos pedaços, depois de lhe ter sido retirada a carne que vai ser usada na composição dos salpicões e das linguiças. É curado ao fumo, pendurado em varas, nas cozinhas tradicionais.
Neste prato típico, para além das casulas e do bulho, são ainda utilizados outros enchidos, nomeadamente a linguiça e a botcha, batatas e carnes de porco salgadas, tais como, orelha, focinho e pé.
Na degustação deve usar-se um bom azeite, de preferência transmontano, e deve acompanhar-se com um bom vinho tinto da região.

RECEITA
De véspera, põem-se as casulas de molho em água fria abundante (para as hidratar).
No dia seguinte, cozem-se juntamente com o bulho e as restantes carnes (adicionar sal só em caso de necessidade). Quando já estiverem quase prontas, adicionam-se as batatas descascadas.
Quando tudo estiver cozido, escorrem-se as cascas e as batatas para um prato fundo, dispõem-se por cima as carnes em bocados e rega-se tudo com azeite transmontano cru.

NOTA: há quem faça sopa com a água de cozer as cascas e a carne.
Esta sopa é basicamente constituída por fatias de pão de trigo amolecidas com o referido caldo.
Caso seja possível, deve confeccionar-se este prato em panela de ferro de três pés, à lareira. O paladar será mais apurado. Bom apetite, meus ilustre amigos transmontanos.

Edição
4025

Assinaturas MDB