A opinião de ...

Da Dignidade Humana

O discurso de Lídia Jorge na Comemoração de Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, para além de marcar a posição pessoal, universalista e humanista da autora, bem vincada na sua obra, sobretudo em A Costa dos Murmúrios e Misericórdia, levanta duas questões distintas e opostas. Destaco um aspeto, somente. De um lado, os defensores de um humanismo personalista, baseado na noção de pessoa e de liberdade; de outro, a clivagem separadora entre “nativos” e “imigrantes”, motivada por emoções negativas, como o medo e a aversão. Ou seja, ‘pureza’ ou ‘impureza’ do ser humano.
Respigo algumas ideias para lembrar o que refere o pensamento social sobre a expressão “dignidade humana”.
Defendia o filósofo Platão em As Leis, que «os nossos compromissos [dos gregos] para com os estrangeiros são os mais santos». Esta ideia sagrada é retratada por Homero em Odisseia: Ulisses regressa a casa, após cerca de 20 anos de ausência; apesar de não ser reconhecido, foi recebido como estrangeiro, como hóspede (os hóspedes eram condignamente recebidos); a própria esposa, não o identificando, pediu que se tratasse bem este estrangeiro. Também Abraão, citado em Génesis, manifesta grande hospitalidade face a três hóspedes desconhecidos. Sem se aperceber, tinha acolhido dois anjos e Deus! Verdadeiros atos de inclusão.
Estas histórias (in A Nova Ignorância e o Problema da Cultura, de T. Konick, edições 70, 2003, Pp. 137-150), pretendem mostrar que as palavras pessoa e liberdade andam associadas, indelevelmente. Uma pessoa é um ser humano que pensa, sente, age, ama. A doutrina da Igreja Católica assim ensina: a dignidade está ligada à racionalidade e à livre vontade (outras religiões também se conformam a esta essencial natureza do existir humano). Por outras palavras: a pessoa está acima de qualquer preço, não constitui um valor relativo, mas um valor absoluto. Claramente: seres humanos são pessoas, e, como tal, a dignidade está-lhes imanente. Fazendo apelo ao que, no quadro da religiosidade que caracteriza, genericamente, a nossa sociedade, é razoável lembrar alguns pensadores, como S. Bernardo e Tomás de Aquino que, em síntese, afirmavam, cada qual no seu tempo e à sua maneira, a nobreza do ser humano decorre do facto de ser inteligente e livre. Cada ser humano é um indivíduo. Assim menciona a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948): cada pessoa tem o direito à integral realização dos seus direitos, donde sobressai o que hoje está presente na discussão pública: o “reagrupamento familiar” – pedra angular da família. Esta ideia é histórica, lembrando aos que esquecem a História o seguinte conselho dado aos emigrantes que partiam para as colónias: «Leva a tua mulher, não hesites: leva» (Conselhos Práticos aos Colonos sobre Economia e Administração, Sociedade de Geografia de Lisboa, 1945. Manuel Serrano). Francisco, descendente de imigrantes, escolheu a ilha de Lampedusa como primeira viagem do seu pontificado. Naturalmente: os imigrantes devem cumprir a Lei do país acolhedor, devendo participar no bem comum, também ele sagrado.
A arte de lembrar – um imperativo ético e moral, sob pena de os mais altos valores sociais e morais perderem sentido.

Edição
4042

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