A opinião de ...

A Última Academia 2 – O S. João de Brito

Apesar de, durante a sua vigência, já nenhum de nós estivesse no colégio, do outro lado do Fervença, a Academia 73/74 teve a sua génese no S. João de Brito.
Para ir do Seminário Maior de S. José, na Avenida do Sabor até ao Colégio, junto à Florestal, era preciso atravessar a cidade. Muito mais do que o calcorrear das ruas avenidas e praças (não havia outra forma, naquele tempo, de o fazer a não ser a pé), a travessia trazia consigo um cheirinho a liberdade que começava, precisamente nesse gesto: passava a ser permitido cirandar pela urbe, desde que respeitando o calendário escolar e a hora do recolher, embora esta última restrição pudesse ser contornada, em casos excecionais, como haveremos de recordar. Obviamente que, com essa benesse, vinha o acréscimo de responsabilidade individual, de que eu seria o primeiro e único fiador, como foi, enfaticamente, referido ao meu pai pelo Cónego Folgado, diretor do Colégio. Nada que me assustasse, bem pelo contrário, de tão ansioso que estava por me incluir naquela nova comunidade de que já me tinham chegado ecos.
O monolitismo seminarista ficara, igualmente, para trás. No colégio havia três tipos diferentes de utentes: os internos, os externos e os semi-internos. Isso, por si só, era um fator relevante de diversidade, pela convivência diária com diferentes formas de viver, pensar e atuar, assumidas e permitidas.
Mas não só.
Havia no S. João de Brito, um sub-grupo dos internos que, ciclicamente, depois das férias grandes de verão, trazia notícias espantosas de uma outra forma de viver, de pensar e, sobretudo de se expressar: os filhos dos emigrantes em França! Todos os anos, em outubro, chegavam relatos que pareciam exagerados de tão explícitos e, para os outros, tão “contranatura”. Era pouco crível, notoriamente inverosímil, que, nas ruas de Paris um cidadão qualquer, em qualquer hora do dia pudesse, sem mais nem menos, pronunciar aberta e explicitamente críticas e até maledicências, sobre o Governo da Nação!
Era lá possível!...
Porém, em 1971 o Acácio Fins, natural de Lodões, na Vilariça, terra do meu pai e também tinha os pais em terras gaulesas chegava ao colégio, vindo do Seminário de Fátima. Trouxe consigo um gira-discos que nos ocupava muitos dos tempos livres nos intervalos quer das aulas ou quer dos períodos de estudo. Por entre os vários discos dos Beatles, dos Creedence, do Demis Roussos, do Johnny Hallyday e Sylvie Vartan (os preferidos dos Vitorinos) vinha também um single de Serge Reggiani com um título algo familiar “le déserteur” e não, não se referia a muitos dos jovens portugueses que, a partir da década de sessenta, atravessavam, a salto, a fronteira dos Pirenéus – era um grito de rebelião claro e explícito, e que era possível comprar e ouvir, em França, sem qualquer restrição.
Nós, receosos da “inevitável” incorporação militar que se aproximava, inexorável e inevitavelmente, cantarolávamos em surdina “Monsieur le président, je vous fait une letre, que vous lirez peut-être ... je ne suis sur terre, pour tuer dês pauvres gens... je m’en vais déserter!”

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3919

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