A opinião de ...

A Última Academia 1- O Início

Recebi, de uma prestigiada agremiação literária, um convite para escrever sobre a liberdade, por ocasião da celebração dos 50 anos do 25 de abril de 1974, reportando-me àquela data. Lembrei-me, de imediato, da Academia, a que pertenci, no seu último mandato, e que tendo sido eleita no final do ano letivo em 1972/73, teve a sua génese vários meses antes.
A Academia do Liceu Nacional de Bragança que teve o seu último mandato entre outubro de 1973 e maio de 1974 foi, em tempo de ditadura, um exemplo raro e extemporâneo de Democracia e Liberdade, desde a sua formação, passando pela sua eleição e terminando no seu funcionamento. Começando pela sua estrutura paritária. Teve, não só, o mesmo número de elementos masculinos e femininos mas, igualmente, tinham, cada um deles, uma função absolutamente equivalente. Havia uma Presidente e um Presidente, um Vice e uma Vice, uma Secretária e uma Tesoureira, bem como um Tesoureiro e um Secretário. Havia ainda representantes dos anos mais atrasados, em igual número, para cada um dos géneros e cada um deles tinha direito a voto de igual valia. Não havia voto de qualidade, desnecessário pois, tanto quanto me lembro, as deliberações, muito discutidas, algumas, outras, nem tanto, foram tomadas por unanimidade ou esmagadora maioria (como a contratação dos Pop Tops, para abrilhantar o Baile de Finalistas). Também na génese foi democrática. Nasceu no seio de um grupo alargado de estudantes e concorreu contra uma outra lista, organizada por um grupo de professores com o beneplácito e apadrinhamento do Reitor de então.
Corporizou um sonho comum que, não se tendo concretizado na sua plenitude, tendo sofrido sérios revés e muitos percalços, foi uma aventura fabulosa que, se fosse possível, repetiria, sem hesitações, percorrendo exatamente os mesmos trilhos. Evitando, quiçá, alguns erros ou, quem sabe... talvez nem isso!
Em outubro de 1972, eu, o saudoso João Vitorino e o Heitor Agrochão, bem como o Ernesto Rodrigues e outros, vindos do Seminário de S. José, na Avenida do Sabor, depois de termos passado pelo Colégio S. João de Brito, chegámos ao Liceu Nacional de Bragança, onde já estava o Manuel António Vitorino, a Rosália Vargas, a Teresa Pacheco, a Olímpia Ribeiro e a Luísa Lhano.
Apesar da paridade, definida e exercida, no início havia dois percursos distintos, impostos pelas regras de então. O meu testemunho, obviamente, cinge-se ao dos rapazes.
Naquele tempo, em Bragança, havia vários grupos, quase todos com assinalável atividade cultural, que se misturavam, interligavam e assumiam identidades nem sempre coincidentes mas, raramente, divergentes: o do Chave D’Ouro, o do Mensageiro, o da Gulbenkian e do S. João de Brito. Eu participava, esporadicamente (de forma crescente, com o decorrer do tempo) no primeiro, mas pertencia, em absoluto, ao último. Caracterizava-nos a vinda do mundo fechado e rígido do Seminário de Vinhais, a chegada, com a Primavera Marcelista, ao Seminário Maior de Bragança onde, apesar da férrea mão do padre Sobrinho, se sentia o espírito reformista e liberalizador do seu Reitor, o padre Pinela. A ida para o Colégio, na outra margem do Fervença, aliviou o autoritarismo educacional de então.

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3917

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