A opinião de ...

A geração grisalha

A gravidade e dimensão da pandemia, este ataque que não distingue etnias, crenças, nacionalidade, história, e começa por isso a atingir povos e criar fronteiras, vai acentuando uma nova distinção das gerações, como que avaliando as limitadas capacidades de prevenção ou cura pela separação das idades, dando especial desatenção ao que, para recordar antigas prosas, podemos chamar “geração grisalha”. É evidente que as carências gravosas da pandemia global implicou a como que tradicional redefinição de interesses, designadamente de funções cujos titulares assumem intervenções exigentes de prioridade na prevenção do risco de vida que a pandemia assume, multiplicando por vezes violações de leis vigentes, sendo reconhecida a decisão do Almirante Gouveia e Melo, recentemente chamado a funções, no sentido de esclarecer que a prioridade é “salvar vidas”. Não se trata apenas de “ética”, mas a dureza agrava a incerteza dos saberes, de meios correspondentes com que os governos consigam ultrapassar a incerteza com que enfrentam conseguir um plano de vacinação, que vai sendo dificultado pelas novas estirpes. O problema da “geração grisalha” não pode ser eticamente eliminado pela secundarização da resposta, mas talvez possa ser reavaliada pelo reforço do saber e da ética com que enfrenta a ameaça global em curso. Isto porque, colhendo ensinamento da cultura africana, da qualidade que, quando morre um velho, desaparece uma biblioteca. De facto, esta cultura dos seniores, que foi a definição estruturante das universidades, sobretudo ocidentais, antes que a mundialização das navegações, descobertas, tenha apoiado a formação na ciência e na técnica, criando agora o globalismo deste século sem bússola para reformular o futuro, que vai ser exigido, na ordem internacional, para separar os efeitos, se possível, do desastre global em curso. Ocorre-nos voltar de novo às Cartas Morais de Lúcio Aneu Sêneca sobre as Vantagens da Velhice (Carta XII), mas é talvez mais indicado, porque a História nacional não se faz a Beneficio de Inventário, recordar que é do Padre António Vieira o conceito de que “Deus fez o homem para a eternidade, e não para o tempo”, pelo que também leva a concluir que a vida de cada um, uma experiência limitada, é um tempo breve que procura articular-se com um tempo longo das gerações que alongam a fusão dos tempos breves. Mas é a questão de toda e cada vida individual ser um “Tempo breve” (Santo Agostinho), que a fé modela diferentemente da falta dela, que inspira na atitude de luta pela perenidade da memória desse tempo breve, no tempo que surge longo na imaginada soma de atenção das gerações futuras às memórias dos passos dados pelos antecessores. Esse tempo breve, enfrentando a circunstância de Ortega, que agora não é de cisnes brancos, mas de cisnes negros, tem parcelas de tempo feliz, de tempo de dores, do tempo de esperança, do tempo de angustia, do tempo perdido, do tempo reconhecido, mas sempre das unidades de vida, e sempre em relação com os projetos de vida, de luta para entender o tempo, para moderar o dispêndio do tempo, para acelerar o aproveitamento do tempo, porque as metas estão longe, os riscos não foram eliminados, a mão estendida cai sem atingir a meta porque o tempo esgotou.
Esta dialética entre as unidades de vida dos nascidos, e os projetos de intervenção com esse capital de tempo breve, com a certeza da morte que esgota o tempo, utiliza o saber e o saber fazer no sentido de ajudar a manter o ritmo da resposta, entre mais objetivos para que a morte não seja uma desistência antes de ser um ponto final ditado pela circunstância. Uma das graves circunstâncias presentes é avaliar o passado de cada povo a benefício de inventário, não distinguindo a contribuição também recebida dos valores do património comum da Humanidade, a exigir adesão e sacrifício com esperança.

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3828

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