A opinião de ...

O tempo da solidão

O Século da Solidão” é um livro recentemente editado em Portugal, da autoria de Noreena Hertz, o qual, segundo a respetiva sinopse, nos dá “um retrato desassombrado, mas otimista, do mundo solitário que construímos e mostra-nos como a pandemia de Covid-19 acelerou o problema da solidão e o que precisamos de fazer para nos religarmos”.
Ainda de acordo com a mesma sinopse, “a solidão tornou-se a característica definidora do século XXI. Ela não só prejudica a nossa saúde física e mental, a nossa riqueza e a nossa felicidade, como constitui uma ameaça à democracia. Mesmo antes de uma pandemia global nos familiarizar com expressões como «distanciamento social», o tecido da comunidade estava a desfazer-se e pendia uma ameaça sobre as nossas relações pessoais. Porém, está nas nossas mãos resolvermos esta crise”.
Não é comum encontrar uma análise sociológica que parta do registo existencial das pessoas para explicar fenómenos sociais, em vez de se ficar pelas suas manifestações externas ou institucionais, pelo que vale a pena prestar atenção a este diagnóstico do mal-estar atual e às propostas formuladas pela autora.
Como é evidente, não se trata de uma panaceia universal para os problemas do mundo contemporâneo, mas o ponto de vista adotado permite chamar a atenção para uma realidade muito importante da vida atual, que está a afetar muita gente em todo o mundo de diferentes gerações, desde idosos a jovens.
É uma situação paradoxal, porque nunca tivemos ao dispor tantos meios de comunicação à distância, evitando a necessidade de deslocação para contactar com outros. Porém, concomitantemente, a comunicação direta vai-se empobrecendo, tanto em quantidade como em qualidade.
É provável que estejamos a viver a “ressaca” da euforia do individualismo que, desde as revoluções iluministas, foi crescentemente impregnando o ambiente social e moldando o comportamento pessoal até aos nossos dias, acabando por minar o sentimento de pertença e os elos de ligação entre os indivíduos. Além disso, não é de desprezar o papel que os diferentes artefactos tecnológicos estão a ter na modulação de um estilo de vida que encerra as pessoas em si mesmas.
Em todo o caso, como acontece com todos os fenómenos humanos, nada disto é indiferente à crise de sentido que foi tomando conta da vida individual e da construção social neste mundo acelerado. E se é assim, “está nas nossas mãos resolvermos esta crise”, como sustenta a referida autora.
Para ajudar nesse sentido, cada um poderia começar por meditar profundamente sobre estas frases do livro “A Mensagem de Silo”:
“Não imagines que estás só na tua povoação, na tua cidade, na Terra e nos infinitos mundos. Não imagines que estás acorrentado a este tempo e a este espaço. Não imagines que na tua morte se eterniza a solidão”…

Edição
3834

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