A opinião de ...

A Singularidade de Florbela

Florbela Espanca nasceu a 8 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa. Morreu em 1930, também a 8 de dezembro, em Matosinhos, em casa do último marido, o médico Mário Lage. E foi ainda a 8 de dezembro que casou pela primeira vez, tinha ela 19 anos. E, hoje, 8 de dezembro, quando ela faria 125 anos, participei na Biblioteca Municipal de Matosinhos, Biblioteca Florbela Espanca, num debate com a historiadora Irene Pimentel, moderado pelo jornalista Sérgio Almeida, subordinado ao tema “Florbela, um destino amargo”.
Florbela não teve a vida fácil, até por ser uma mulher fora do seu tempo. A sua personalidade forte e desafiadora e uma vida atribulada, marcada por casamentos e divórcios, não se coadunavam com as regras vigentes. Numa época em que a mulher era reservada e submissa, ela era independente e transgressora. Queriam-na recatada, humilde e longe dos holofotes – até por ser filha ilegítima – e ela era livre, bela e vistosa. Era o oposto do que se esperava de uma mulher daquele tempo. Como poetisa, era excessiva, intensa e exuberante na expressão dos seus sentimentos mais íntimos. A sua lírica tem caraterísticas e traços de várias escolas, mas não se integra em nenhuma. Ela é, sem dúvida, uma poetisa singular.
O seu modo de ser não era compreendido pela sociedade patriarcal e conservadora em que vivia. Talvez por isso, a sua obra não teve, então, o reconhecimento que merecia e que agora tem, sendo justamente considerada uma das personalidades poéticas mais fascinantes da Literatura Portuguesa.
Para Luísa Dacosta, ela é “a primeira voz autêntica de mulher” e destaca que, “dentro de uma forma tão rígida como o soneto, tenha podido ser uma voz tão vibrátil, tão carne, tão sangue”.
Florbela é considerada a poetisa do soneto, o primeiro foi escrito aos oito anos, embora também tenha escrito cartas e contos: “As Máscaras do Destino”, “Diário do Último Ano”, “O Dominó Preto”. A sua poesia em tom confessional, espécie de diário íntimo, marcada pelas experiências pessoais e centrada no eu, revela um lado feminino pouco usual na literatura e rompe com todos os cânones. A permanente inquietação, nada a satisfaz, nada a acalma, a solidão, a dor, os excessos emocionais, deram origem a uma poesia de rara beleza e singularidade que não deixou indiferentes escritores e académicos. Fernando Pessoa, por exemplo, descreve-a como “alma sonhadora/ Irmã gémea da minha!”.
Ao falar de Florbela, é inevitável não me lembrar de três outras grandes poetisas: Marquesa de Alorna (sec. XVIII), Natália Correia e Maria Teresa Horta E quem as conhece, compreende esta minha associação de ideias. Mulheres extraordinárias que se distinguiram pela força das suas convicções e pela qualidade da sua poesia.

Toda a gente conhece um pouco da vida e obra de Florbela Espanca. Quem não conhece os sonetos “ser poeta” e “perdidamente”, magistralmente musicados pelos Trovante? E os sonetos “caravelas” e “desejos vãos” na voz inconfundível de Mariza?
Para quem a quiser conhecer melhor, recomendo a leitura da sua obra, de que só “Livro de Mágoas” (1919) e “Livro de Sóror Saudade” (1923) foram publicados em vida. A sua obra-prima, “Charneca em Flor”, foi publicada um dia após a sua morte.

Edição
3761

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