A opinião de ...

Reunião de Câmara: A Governação invisível

Eis um dos principais paradoxos na vida democrática local: as reuniões de Câmara Municipal são, legal e politicamente, o coração da governação, o local onde se tomam as decisões mais críticas sobre o nosso quotidiano – o preço da água, a aprovação de obras, a gestão dos resíduos, a proteção civil, etc.
No entanto, para a maioria dos cidadãos e, infelizmente, para muitos órgãos de comunicação social, as sessões camarárias parecem ser um acontecimento irrelevante, uma espécie de ritual fechado.
A realidade é que, muitas vezes, as deliberações mais importantes são anunciadas, quando o são, em breves comunicados após a reunião, ou ficam “enterradas” em atas longas e complexas, acessíveis apenas a quem tem tempo e conhecimento técnico para as dissecar.
O paradoxo é cruel: as decisões são públicas, mas o seu impacto permanece oculto.
Este hiato entre a decisão formal e a comunicação efetiva gera uma crise de relevância e um déficit democrático.
A crise de projeção democrática das reuniões de câmara assenta em diversos aspectos:
Os pontos da Ordem de Trabalhos são comunicados em linguagem administrativa densa e hermética.
São listas de processos, números de artigos e siglas que não traduzem o impacto político ou social da deliberação, incapaz de antecipar a importância do debate.
O foco centra-se na aprovação dos atos, mas não na narração dos mesmos.
O debate e a justificação das deliberações ficam confinados à sala da reunião e às Atas, só sendo acessíveis, dias depois, a quem tenha tempo e conhecimento técnico para escrutinar documentos extensos e demasiado técnicos.
Inexiste um mecanismo formal e imediato de prestação de contas após a deliberação.
A Câmara não traduz o complexo (o voto) para o simples (o resultado para o munícipe).
A Câmara não fornece um Ponto de Imprensa, desleixando a agenda noticiosa ou, pior, condenando-a ao silêncio.
Os votos vencidos e as Declarações de Voto – que são, muitas vezes, o material mais rico para o debate público e a fiscalização – ficam invisíveis prejudicando a visão plural e completa do processo de decisão.
A consequência desta postura é um déficit democrático do processo decisório, o não envolvimento dos cidadãos no mesmo, e a perda de proximidade e democraticidade.
Os jornalistas não conseguem extrair o valor noticioso das reuniões, resultando numa cobertura superficial que tende a cobrir apenas os confrontos políticos ou os momentos mais teatrais, ignorando a substância da deliberação.
A deliberação não chega à população e o cidadão não sabe o que foi decidido, quem votou, como e porquê. Isto mina a transparência e alimenta a perceção de que o poder municipal funciona numa “bolha”.
A ausência de preocupação com o feedback é, no fundo, uma miopia democrática.
Conclusivamente, as reuniões de Câmara não devem ser meros rituais burocráticos; devem ser o palco principal da gestão da coisa pública.
Se os cidadãos e os mídia não se preocupam com elas, é porque os próprios executivos, de há muito, não fazem o esforço de traduzir a sua importância, sendo inábeis em projetá-las para o debate público.
A decisão sobre o futuro do Município não pode ficar fechada nas páginas de uma ata e importa a tomada de medidas para a sua transcendência.

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