A opinião de ...

O mundo pós-pandemia

Um dos exercícios mais complicados da atualidade é prefigurar como será o mundo pós-pandemia, sem que nos limitemos a projetar os nossos temores ou desejos momentâneos, mais grosseiros ou mais elevados, mas sim descrevendo e interpretando as tendências que se desenham nas sociedades humanas dentro de um processo histórico maior.
De outra forma, cada um tratará de ver nesta situação a mera confirmação das suas crenças e expetativas, por mais contraditórias ou insustentáveis que se afigurem.
Assim, o vírus surgirá como o agente da mudança esperada, como se fosse um enviado especial da Natureza, reparando o desequilíbrio ecológico; ou de Deus, provocando o apocalipse redentor; ou ainda da História, cumprindo uma necessidade, sem que se atente ao facto de que, em todos esses casos, será a consciência humana quem procura dar sentido a um evento casual e, aparentemente, absurdo que responde à lógica evolutiva própria da microbiologia.
Por outro lado, assim como não é credível retirar ilações de meras coincidências temporais, algumas delas com falsificação ou distorção dos factos, nem sempre é possível comparar linearmente os efeitos pessoais e sociais das diversas pandemias, sem tomar outras mostras quer quanto ao momento do processo histórico em que estas ocorrem, quer quanto ao impacto produzido pelas mesmas do ponto de vista psicossocial.
Nesse sentido, é muito importante que o observador tome em conta a forma como o seu olhar influi no seu estudo e conclusões, projetando ou não a sua própria paisagem interna sobre o objeto analisado.
Para tanto, será, sem dúvida, muito útil contar com uma metodologia de análise que, partindo dos registos do próprio ato de pensar, ou seja, da própria experiência pensadora, chegue a formular leis universais (lei de estrutura, lei de concomitância, lei de ciclo e lei de superação do velho pelo novo) para aplicar aos objetos de estudo, desprendendo-se daí um método estrutural dinâmico (cfr. Jorge Pompei. Teoria y Práctica del Método Estrutural Dinamico).
Deste modo, partindo da definição do objeto de estudo e do ponto de vista a adotar, poder-se-á proceder a uma análise estática e dinâmica dos fenómenos, chegando a uma síntese estrutural muito completa e esclarecedora sobre os mesmos.
Citando um exemplo de mudança de etapa histórica, com a passagem da Idade Moderna à Idade Contemporânea, marcada pelas revoluções iluministas, terá sido a transformação da imagem do ser humano propiciada, não apenas pelas ideias filosóficas e os textos legais, mas também pela popularização dos retratos e das fotonovelas, que permitiu a adesão massiva aos novos paradigmas emergentes, como destacou a historiadora Lynn Hunt, no seu livro "A Invenção dos Direitos Humanos".
Por isso, prestar atenção aos efeitos que a situação atual poderá produzir na imagem que a humanidade tem de si mesma, será claramente uma das chaves para compreender se nos abeiramos da entrada numa nova época histórica.
E esse será, sem dúvida, um dos propósitos do 8º Simpósio do Centro Mundial de Estudos Humanistas, que terá lugar, de forma virtual, nos próximos dias 16 a 18 de abril, em que estarei a participar e para o qual deixo aqui o convite aos leitores: http://2021.worldsymposium.org.

Luís Guerra, Juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas

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3827

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