A opinião de ...

Falar verdade em tempo de crise global

Vós que, do alto do vosso Poder,
Pregais uma sociedade de iguais e justa,
Tende cuidado pois pode o povo
Querer uma sociedade justa a sério.
(adaptação do poema de António Gedeão)

Duas notas prévias.
Uma, para a morte do Professor Doutor Adriano Moreira, morte esperada mas não desejada. Para a Academia, é agora tempo de discutir, criticar, balancear e polemizar a obra de um dos maiores pensadores do nosso tempo. Principal patrono da democracia cristã e do universalismo humanista, em Portugal, começa agora o tempo da reflexão.
A segunda nota vai para as eleições no Brasil, realizadas em 30-10-2022. Votaram 124 dos 156 milhões de eleitores inscritos, a terceira maior democracia da Terra, depois de Índia e EUA. Lula da Silva, candidato do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) venceu com pouco mais de 60 milhões de votos (50,90%), mais dois milhões que Bolsonaro, o atual Presidente. Margem curta mas que Jair Bolsonaro não vai disputar. Três curiosidades: nos estados do Sul, mais rico, venceu Bolsonaro. Nos do Norte e Nordeste, mais pobres, Lula; além disso, houve 3,93 milhões de votos nulos, 1,769 milhões em branco e 118 milhões de válidos (cf. https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2022/divulgacao-dos-resultados…).
O Brasil tem uma sociedade muito radicalizada, 60% de Direita. A Esquerda (40%) e a Direita Moderada (11%) juntaram-se contra a Direita Tradicional (20%) e a Extrema-Direita (30%), por acção de Lula. Em nenhum outro país da Terra com exceção dos absolutistas (Rússia, China, Irão, Arábia Saudita, Coreia do Norte, etc.) a direita radical é tão representativa.
Com estes resultados e com a crise económica global, o Brasil fica numa situação muito difícil. Lula não tem maioria nem no Congresso nem no Senado e a economia não vai ajudar. Tempos difíceis virão aí. Oxalá a democracia não descambe em anarquia.
E, agora, o tema de hoje: falar verdade.
Os últimos tempos têm sido de um chorrilho de proclamações pouco transparentes, por parte dos membros do Governo e da Oposição. Como se não chegassem os problemas de alguns governantes em áreas com estes relacionadas, o optimismo militante do Primeiro-Ministro (PM) a propósito do futuro da economia choca com a realidade, cada vez mais dura e sem luz ao fundo do túnel. É verdade que um PM deve tocar a burra para a frente mas não inverter a realidade porque esta, face aos cercos russo e chinês, vai ser dramática.
Toda a gente vai perder rendimentos em 2023 e anos seguintes e as pessoas até aceitariam se as explicações fossem verdadeiras e adequadas mas tentar tapar o sol com a peneira não faz bem a ninguém. Tentar sugerir que um aumento de 2% cobre a perda de 10,2% de inflacção não lembra nem ao diabo. Para não falar da injustiça dos suplementos remuneratórios, distribuídos de uma forma profundamente injusta face à disparidade de rendimentos.
Todos sabemos que governos e oposições têm leituras diferentes da realidade mas ambos tentarem camuflar a dura realidade que aí vem é deveras pernicioso para a verdade e para a democracia.

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3908

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