Nordeste Transmontano

Ameaça de empresa de deixar de distribuir jornais no Interior gera revolta no distrito de Bragança

Publicado por António G. Rodrigues/Francisco Pinto em Sex, 12/12/2025 - 17:10

A ameaça de a empresa VASP, responsável pela distribuição da generalidade dos jornais nacionais por todo o território nacional, deixar de prestar esse serviço em oito distritos do interior do país, nomeadamente no de Bragança, gerou uma onda de revolta em vários quadrantes da sociedade.

“Na ausência de soluções que assegurem a manutenção integral do serviço nos atuais moldes, a VASP informa que se encontra a avaliar a necessidade de proceder a ajustamentos em determinadas rotas, nomeadamente nos seguintes distritos: Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Bragança”, indicou a empresa, em comunicado, citado pelo Correio da Manhã.

A VASP é detida pelo empresário Marco Galinha, também dono do Diário de Notícias, depois da separação de outros títulos, como Jornal de Notícias, O JOGO e TSF.

A empresa distribui pelos quiosques do país os jornais, sobretudo nacionais.

Deputados preocupados

Os três deputados eleitos por Bragança mostraram-se preocupados com a possível falta de jornais nos territórios do interior, pondo em risco a coesão territorial, após o anúncio da Vasp sobre a necessidade de fazer ajustamentos na distribuição diária.

Os dois deputados do PSD eleitos pelo círculo de Bragança, Hernâni Dias e Nuno Gonçalves, afirmaram que “estão preocupados com a situação e esperam que a mesma seja resolvida em nome da coesão territorial, mas dentro dos princípios definidos pelo Governo quanto aos apoios e ao seu caráter concorrencial”.

“O Governo duplicou o porte pago e tem subsidiado entregas em municípios do interior quando fecharam rotas. Há uma preocupação, da parte do Governo, com a coesão territorial e com o acesso à comunicação social de qualidade”, explicou o deputado Nuno Gonçalves.

Segundo os parlamentares sociais-democratas, “o governo não quer criar instrumentos de dependência, nem quer passar cheques a empresas em concreto, e entende que qualquer solução deve ser concorrencial”.

“O Governo afirma que não vai ceder a chantagens e que o pagamento da distribuição deve ser assegurado por quem produz a imprensa”, afirmaram.
Por seu lado, a deputada Júlia Rodrigues, eleita pelo Partido Socialista (PS), manifestou também a sua “profunda preocupação” com a possibilidade de a empresa Vasp poder vir a cessar a distribuição de jornais em todo o interior do país.

“Esta decisão teria um impacto direto na vida das populações, reduzindo o acesso à informação, agravando desigualdades já existentes e colocando em causa o direito dos cidadãos a estarem informados, sobretudo num território que enfrenta desafios persistentes de despovoamento e isolamento”, frisou a parlamentar do PS.

Para Júlia Rodrigues, “é fundamental que o Governo avalie urgentemente esta situação e encontre soluções que garantam a continuidade da distribuição de imprensa no distrito de Bragança e em todo o interior”.

A deputada do PS entende que “a coesão territorial também se faz assegurando que ninguém fique privado de um serviço essencial como o acesso à informação”.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), por seu lado, considerou que a redução das áreas de distribuição de imprensa é uma situação “grave” e “suscetível de impacto negativo na garantia do acesso à informação”, estando a recolher informação complementar.

Em comunicado, a ERC afirmava estar a acompanhar a informação divulgada sobre a possibilidade de a Vasp – Distribuição e Logística, S.A. ajustar a distribuição diária de imprensa em oito distritos do interior do país, na sequência de dificuldades financeiras.

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) também manifestou a sua “mais profunda preocupação” face ao anúncio da Vasp.

Presidente da CIM acredita em solução

Já o presidente da Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes, Pedro Lima (PSD), mostra-se “preocupado” com esta situação mas diz acreditar “que [a suspensão] não irá acontecer”.

“O Governo já disse que não aceitará que isso aconteça”, frisou.

No entanto, lembra que “isto é uma questão de coesão territorial” e que os transmontanos “não são cidadãos de segunda”. “Temos de ter a consciência da realidade demográfica. Nós somos mais envelhecidos do que o Litoral. Portanto aqui os hábitos estão um pouco mais atrasados. Os meios digitais são amplamente utilizados, mas, devido a esse grau de envelhecimento, há hábitos diferentes, nomeadamente no recurso a jornais impressos”, sublinhou.
Também o Partido Comunista Português (PCP) se pronunciou na Assembleia da República e questionou mesmo o Governo sobre esta matéria.

“Uma eventual decisão naquele sentido criaria uma intolerável situação de desigualdade entre territórios e populações no acesso a publicações periódicas”, lê-se.

O deputado Alfredo Maia, antigo jornalista, questionou o Governo sobre os compromissos que o Governo assumiu para com a VASP “com vista à garantia de distribuição de publicações periódicas no interior”, bem como “o grau de cumprimento desses compromissos e como o justifica”. Por fim, perguntou “que medidas pretende tomar o Governo” perante a ameaça da VASP.

Tabacarias dizem que ameaça é injustificada 

Viriato Fernandes, proprietário de três tabacarias e quiosques em Bragança, recorda uma reunião com o dono da distribuidora em que foi anunciada a intenção de pressionar o Governo.

“Isto é uma maneira de pressionar o Governo. Eles não têm prejuízo porque nós é que pagamos os portes”, garantiu ao Mensageiro.

Ainda assim, o empresário admite que, sobretudo desde a pandemia, tem verificado uma mudança de hábitos na população. 
“Os jornais vendem-se menos.

Baixaram cerca de 80 por cento. Desde que começaram a partilhar notícias pelos telemóveis já se sentia. A pandemia foi um rombo total”, disse.
O investigador Giovanni Ramos, do Instituto Politécnico de Coimbra, autor do estudo sobre os desertos noticiosos, sublinhou, em declarações ao Mensageiro, que a questão da pirataria é um dos problemas que tem afetado a circulação dos jornais, mas pede que se olhe para esta situação “com atenção”.

“Acho que é um grande alerta"

O facto de fazerem essa ameaça é uma oportunidade de discutir o problema mais a fundo.

Todos os anos os jornais perdem mais um pouco a circulação em papel. Mas se olharmos para o panorama de há dez anos, vemos que as quebras são acentuadas. É preciso pensar num modelo que seja sustentável. Daqui a pouco a situação ficará irreversível”, defende. “O problema afetou os jornais locais, que já não estão presentes em muitos concelhos, mas agora afeta os nacionais.

Estes cidadãos não têm o direito de serem informados? Já os estávamos a privar de informação dos jornais locais e agora vamos privá-los dos jornais nacionais?”, questiona.

A Associação de Imprensa de Inspiração Cristã (AIC) manifestou “a sua indignação absoluta perante a possibilidade do fim da distribuição de jornais em vários distritos do Interior de Portugal por parte da única operadora que assegura esse serviço, a VASP”. 

“Esta situação representa um atentado direto ao direito fundamental dos cidadãos à informação, claramente consagrado no Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece a Liberdade de expressão e informação e diz claramente que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” e que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.

A desigualdade no acesso à informação é incompatível com o regime democrático e representa um retrocesso civilizacional que não pode ser tolerado.
É urgente sublinhar, com toda a clareza, que sem informação não há cidadania plena e sem cidadania plena não há democracia real”, sublinha a AIC, em comunicado.

 

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