Bragança

Aldeia de Salsas recriou tradição dos Reis com mais de dois mil anos

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-01-26 10:47

Há milhares de anos que as tradições celtas povoam o imaginário popular. Ao ponto de o próprio Júlio César, que viria a tornar-se imperador de Roma, ter tomado nota dos rituais que os povos celtas prativavam, sobretudo nos solstícios.

Ora, foi precisamente a recriação de uma dessas tradições que a aldeia de Salsas, no concelho de Bragança, recriou no passado sábado, com a queima do Ano Velho pelos caretos da freguesia.

O momento esteve previsto para dia 07 de janeiro mas a chuva fez adiar a sua concretização e levou mesmo ao cancelamento do encontro ibérico de mascarados, que anualmente tem reunido dezenas de caretos de Portugal e Espanha.

“A tradição dos Reis de Salsas vai do dia 01 ao dia 05, em que os caretos saem às ruas, e depois cantam-se os Reis no dia 06.

De há alguns anos a esta parte temos feito um encontro ibérico de mascarados. Mas como no dia 07 choveu muito, anulámos esse encontro.

Este ano, pela primeira vez, fizemos a queima dos monos, que representam os quatro elementos da natureza. O ar, a água, o fogo e a terra. O ritual prevê que estejam mascarados de monos. Os caretos detetaram esses males e os monos foram julgados e queimados.

Houve, ainda, uma pequena representação. Geralmente queimávamos o Ano Velho e, este ano, explicámos porque o queimámos”, contou ao Mensageiro Filipe Caldas, presidente da Associação Cultural e Recreativa dos Amigos dos Caretos de Salsas, que há mais de uma dúzia de anos organiza estes momentos.

“No futuro, vamos apostar na nossa tradição e melhorá-la. Vamos continuar com esta parte da queima dos monos. Hoje vestiram-se sete ou oito crianças e isso é bom para assegurar a continuidade das tradições. Também se vestiram 24 caretos. Mas temos falta de fatos. Máscaras temos mais de 50, cada uma diferente da outra. O problema é o dos fatos”, lamenta.

Filipe Caldas até diz que “ainda há quem faça fatos”. “Mas os nossos eram diferentes, tinham a franja mais comprida. Agora, os fatos são todos iguais aos nossos.

Antes tínhamos alguma dificuldade em arranjar caretos mas hoje, a maior parte eram jovens da terra e pessoas que regressaram agora de França”, apontou.

Ao longo da tarde, os caretos desfilaram pelas ruas da aldeia. Depois, instigados por uma ‘velha gaiteira’, colocaram os males que afligiram a localidade num careto de vime, de 7,60 metros, que acabou queimado pelas chamas, num ritual de purificação.

O careto, que levou cerca de um mês a construir ao artesão Zé da Fonte, ficou reduzido a cinzas.

“É dos maiores que já fiz”, disse o artista ao Mensageiro.

“Este é baseado numa tradição celta, com mais de dois mil anos. Os Celtas tinham a tradição, por alturas do solstício de inverno, de fazer um mono, o homem de vime. Todos os que faziam maldades na comunidade, eram metidas dentro do mono, que representava os quatro elementos da natureza, e eram purificadas pelo fogo”, explicou.

Espetador atento era o fotógrafo britânico Stefano Brunesci que trabalha para a Vogue.

Veio propositadamente a Salsas conhecer estes mascaretos de origem celta, desconhecidos da maioria dos britânicos, ainda crentes que a cultura deste povo se restringiu às ilhas.

“Vi um festival folk, histórico e muito interessante.

Semelhanças com as tradições celtas? Sim, há uma grande ligação. Para um inglês, é muito interessante ver esta tradição celta aqui em Portugal. As pessoas lá não têm noção. Achamos que os celtas se limitavam à Bretanha, não os imaginamos em Portugal”, partilhou com o Mensageiro.

Também pela primeira vez, surgiu uma ‘velha gaiteira’, recriada pela atriz Telma Rocha, natural da aldeia de Moredo, da freguesia da Salsas, que regressou recentemente do Reino Unido, para se fixar na região dos seus atepassados.

“Chambra é uma cooperativa internacional de cultura sediada em Bragança desde 2020 e convidamos os amigos ingleses, escoceses, galeses, a ver como temos todos raízes na mesma árvore.

Entretanto, apareceu o desenho do Zé da Fonte, de um ‘wicker man’. O homem de vime que há na Irlanda e na Escócia tem uma cara muito diferente deste, que é mais transmontano.

Depois surgiu a ideia de eu criar um boneco de uma ‘velha gaiteira’, figura muito popular mas que está muito esquecida.

Antigamente, éramos comunidades muito unidas. Era mais alegre, porque não tinha muitas preocupações.

Hoje, a velha gaiteira andou a cantar os males todos de Salsas. Chamou os caretos de Salsas, agarrámos nos males e ‘botámo-los’ ao fogo”, contou Telma Rocha.

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